Desejo que, diz o Papa Francisco, que as comunidades
cristãs se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de
solidariedade e ajuda concreta. Neste domingo (Domingo de Cristo Rei, 18 de
novembro de 2018), se viverem no nosso bairro, pobres que buscam proteção e
ajuda, aproximemo-nos deles: será um momento propício para encontrar o Deus que
buscamos, lembrarmos que as pessoas consagradas e os leigos, por vocação, têm a
missão de apoiar os pobres – peço que se comprometam para que, com este Dia
Mundial dos Pobres, se instaure uma tradição que seja contribuição concreta
para a evangelização no mundo contemporâneo.
Que este novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à
nossa consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que
partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais
profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso que temos para acolher
e viver a essência do Evangelho. Portanto vamos ouvir esta reflexão referente
aqueles que muitas tratamos como os últimos.
Seguir Jesus a partir dos últimos: Temos que
entender em primeiro lugar, que Eu não sou o último e muitos de nós muito
menos. Não pertencemos aos setores mais empobrecidos, despojados ou excluídos
da sociedade. Não estamos entre os pobres, os indefesos e desvalidos. Não somos
dos últimos da terra.
Em segundo lugar, em atitude de conversão. Podemos
esforçar e seguir Jesus com fidelidade, identificando-nos como os
últimos, os pobres, dando-lhes mais espaço em nossa vida, escutando com mais
atenção as suas perguntas e protestos dramáticos, partilhando mais de perto o
seu sofrimento, tomando sobre nós a sua humilhação, defendendo a sua causa.
Os evangelhos apresentam-nos Jesus a viver no meio dos
“pobres”. Fala-se sempre no plural. Não se trata de alguns mendigos ou
necessitados ocasionais. Os “pobres” de que se fala nos evangelhos são o
extrato ou setor mais oprimido: os que estão no mais baixo escalão da
sociedade, são aqueles, que não tem o necessário para viver, os indigentes.
Gente que vive no limite ou abaixo do mínimo vital. Os despojados que significa
aquele que vive de um trabalho duro, que não tem nada para viver.
O rosto do pobre: estas pessoas não compõem uma
massa anônima. Tem rosto, ainda que quase sempre apareça sujo e desfeito pela
desnutrição. Muitas são mulheres, entre elas viúvas, esposas estéreis
repudiadas pelos seus maridos e muitas prostitutas a procura de clientes no
final dos banquetes para ganharem o pão para os seus filhos. Há também crianças
órfãs, sem lar, crianças de rua, caminham quase sempre descalças. É fácil
reconhecê-la. Entre elas há mendigos que andam de povoado em povoado a pedir
esmolas.
Estes homens e mulheres não são só indigentes, mas estão
condenados a viverem humilhados, sem honra nem dignidade alguma. São uma pobre
gente que qualquer um pode desprezar. Todos são vítimas dos abusos e atropelos,
de quem detém o poder, dinheiro e honras. Todos vivem em estado de miséria de
que já não podem escapar. Vivem excluídos de uma verdadeira convivência. Na
realidade, a ninguém interessam. Vidas sem futuros.
Nos evangelhos apresentam-nos Jesus percorrendo as
pequenas aldeias da Galileia, onde vivem as pessoas mais pobres. Estas pessoas
mais pobres são as “ovelhas perdidas”, as quais Jesus se sente enviado pelo Pai
para lhes comunicar a Boa Notícia do Reino de Deus. Eles serão os primeiros a
escutá-la.
Ao descrever a trajetória profética de Jesus, os
evangelhos fazem-nos ver que Jesus não pode buscar a sua justiça esquecendo-se
dos últimos. Não se aproxima destas pessoas de modo fanático ou ressentido, mas
com muita indignação profética. Quer ser testemunha de Deus e lançar um grito
em seu nome: o Pai do céu quer construir um mundo novo em que os últimos sejam
os primeiros.
Jesus começa a gritar uma mensagem nova e diferente,
surpreendente e provocadora. A riqueza dos poderosos latifundiários da Galileia
não é um sinal de benção de Deus nem a miséria daquele povo é prova do seu
abandono das vítimas.
As bem-aventuranças de Jesus querem deixar bem claro no
meio daquela sociedade injusta que o Reino de Deus é uma boa notícia para as
vítimas e uma ameaça para os ricos opressores. Jesus é realista. As suas
palavras não significam imediatamente o fim da fome e da miséria porém atribuem
uma dignidade absoluta a todas as vítimas de abusos e atropelos. Nenhuma
religião será abençoada se viver de costas para eles. Nós só podemos escolher
Deus se construirmos um mundo que tenha como meta a dignidade dos últimos.
Continuaremos a alimentar também em nossas comunidades
o autoengano ou abriremos os olhos a realidade dos últimos?
Jesus critica de modo radical a cultura dominante da
indiferença. O sofrimento dos inocentes tem que ser levado a sério, não podemos
aceitar como normal, pois é inaceitável para Deus. A opção pelos Pobres não é
uma invenção dos teólogos da libertação nem uma moda posta circular depois do
Vaticano II. É a opção do espírito de Deus, que anima a vida inteira de Jesus
em busca do Reino de Deus e da sua justiça. Deus não pode reinar no mundo sem
fazer justiça aos últimos. Hoje também, para os seguidores de Jesus, os últimos
devem ser os primeiros. O caminho para um mundo mais digno que é feliz para
todos começa a construir a partir deles. Não deve ser menosprezada nenhuma
política, ideologia ou religião. É por esta opção que temos que trabalhar em
nossa comunidade e em nossas paróquias. A primeira tarefa é romper com a
indiferença, não podemos continuar a achar que a culpa é de todos e de ninguém.
Temos que começar pelas nossas comunidades e pensar a partir do sofrimento das
vítimas, são as nossas vítimas que mais nos ajudam a conhecer o quem somos.
Não é possível pensar a partir dos últimos se vivermos,
sempre afastados deles sem contato
direto ou imediato com nenhum setor marginalizado. Não é a mesma coisa ler
estatística sobre a falta de emprego e entrar na habitação de uma família que
ficou sem salário e partilhar com ela sua angustia diante do futuro incerto, a
crise da sua vida de casal, a humilhação de ir pela primeira vez pedir a ajuda
a caridade da Igreja e da sociedade. Temos de dar mais espaço aos últimos nas
nossas comunidades. Necessitamos de uma comunidade samaritana que saibam
acolher, escutar, acompanhar principalmente os últimos.
Reavivar a indignação profética. O primeiro grito é este:
“não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. O segundo tem de ser lido desta
forma: “não deis a César algum o que é só de Deus”. Promover a solidariedade
global. Para isso é necessário abrir os olhos e aprender a olhar o mundo a
partir dos que vivem e morrem de modo injusto e cruel nos países da fome, da
guerra e da miséria. Por isso devemos escutar o grito de Jesus: os últimos
devem ser sempre os primeiros.
A caridade fraterna é a primeira lei dos cristãos (cf
Jo 15,12; Gl 5,14). O mesmo ensina também Santo Agostinho: “Tal como, em perigo
de incêndio, corríamos a buscar água para o apagar(...), o mesmo deveria fazer
quando nos turvamos porque, da nossa palha, irrompeu a chama do pecado; assim
quando se nos proporciona a ocasião de uma obra cheia de misericórdia,
alegremo-nos por ela como se fosse uma fonte que nos é oferecida e da qual
podemos tomar a água para extinguir o incêndio”. Sobretudo, cultivai o amor
mutuo, com todo ardor, porque o amor cobre uma multidão de pecados. (1Pd 4,8).
Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto
https://orcid.org/0000-0001-8631-5270
Comentários
Postar um comentário