Pular para o conteúdo principal

PERGUNTAS EM EVENTOS ACADÊMICOS

Imagem gerada por AI
a partir de Levi (1988)
 O pensador grego Sócrates é uma dos pilares da história da filosofia. Ele desenvolveu um método que busca o conhecimento por meio de uma sessão de perguntas. O método pressupunha dois movimentos, a ironia a maiêutica. A ironia é um tanto confusa em interpretações contemporâneas, fato que quero me deter no devaneio de hoje. A ironia não está reduzida a ideia de sarcasmo, mas na desconstrução de uma verdade sólida. Você a desconstrói, para então propor algo novo. Algo semelhante a um processo reocupação de um terreno que já está construído. Eliminar-se aquilo que está lá, posto, para no lugar nascer nova construção. No caso da ironia, há a desconstrução de uma conceituação já posta, para construir algo novo. Um processo interessante, motivado por perguntas. Para Sócrates, não são as respostas, mas as perguntas que movem o mundo.

Dito isto, proponho pensar, que tipo de perguntas são apresentadas em eventos acadêmicos?

Penso que podemos responder à questão a partir de três possibilidades. A primeira delas são as perguntas honestas. Aquelas que tem o intuito de contribuir com a reflexão, de propor limitações das falas. Este tipo de questão, anda raro. Ela é proporcionalmente inversa a certificação do agente perguntador. Ela desvela a verdadeira ironia numa construção do saber.

O segundo tipo de perguntas são aquelas semelhantes a um lobo vestido de ovelha. A imagem aqui é válida. É um tipo de pergunta que se parece com a honesta, mas esconde um certo sarcasmo. Ela tem intenção de pôr o perguntado em uma situação constrangedora, ou direcioná-lo para um abismo, ou ainda, de tentar enquadrá-lo num aspecto secundário para desmoralizar sua fala. Geralmente são recortes secundários que em nada contribuem para o foco principal. Requer uma certa inteligência do agente perguntador, porém, mal aproveitada.

O último tipo de pergunta é aquela que mais acontece. O tipo de pergunta que nada acrescenta. Pouco importa o tema apresentado, o perguntador quer vomitar sua sabedoria. Ele usa do seu referencial teórico para cutucar o perguntado. Fala, fala e fala muitas coisas, por norma, informações que pouco contribuem para o debate. Aliás, o debate não é o foco, mas é um monólogo diante da informação que foi apresentada. Parece-me que a arrogância seja o adjetivo deste perguntador. Ele não considera o viés teórico, os recortes da pesquisa, muito menos o entrelaçamento das diversas linhas que se cruzam. Dispensável, mas presente.


Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto 
https://orcid.org/0000-0001-8631-5270

Obra citada:

LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ZUCKERBERG INAUGURA NOVA FASE DA PÓS-VERDADE?

  Imagem gerada por Artificial Intelligence. Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto https://orcid.org/0000-0001-8631-5270 Massaranduba, 15 de janeiro de 2025 Você já ouviu falar, ou, já leu algo sobre o conceito de pós-verdade? Para D’Ancona (2018) a ideia de pós-verdade sugere uma crise na comunicação e no debate político. Um tempo em que a “verdade” é moldada por interesses de grupos políticos, econômicos ou sociais que constroem narrativas próprias.  Grupos que em vez de fundamentar-se em fatos verificáveis pautam-se em discursos de interesses. Essa dinâmica tem implicações significativas para a democracia, enfraquecer a confiança nas instituições e o entendimento público em questões complexas. A desinformação na pandemia, por exemplo, causa problemas até hoje! Há de se considerar que a construção histórica de narrativas atendeu a interesses conforma objetivos de controle sobre uma determinada população (Foucault, 2009). Esse processo de construção de narrativas é observado ...

BOLSONARO E A CORROSÃO DA MORAL: UM PARALELO COM "É ISTO UM HOMEM?"

  O relatório da Polícia Federal, divulgado dia 27 de novembro de 2024, expõe um conjunto de ações orquestradas por ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados visando subverter o regime democrático brasileiro. As evidências apontam para a disseminação de desinformação sobre a integridade do sistema eleitoral, a articulação de planos para impedir a posse do presidente legitimamente eleito e até mesmo a intenção de neutralizar figuras-chave do Judiciário, como o Ministro Alexandre de Moraes. Tal cenário encontra paralelo com a realidade brutal retratada por Primo Levi (1988) em "É Isto um Homem?", onde a aniquilação da moral se torna um instrumento de controle e perpetuação do poder. Um golpe de estado, em qualquer situação, é o aniquilamento da moral. Levi (1988) apresenta testemunho cru da desumanização perpetrada nos campos de concentração nazistas, serve como alerta para os perigos da corrosão moral e do fascismo, e aqui entendido como oposição à democracia. No un...

JORGINHO MELLO PROTEGE OS RICOS E SOBRECARREGA OS POBRES

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), anunciou que não implementará a cobrança de IPVA para embarcações e aeronaves no estado até que uma Lei Complementar Federal regule o tema. A justificativa? Supostamente, garantir “clareza e segurança jurídica” e apoiar os setores náutico e aéreo. No entanto, essa decisão escancara o abismo social que cresce a cada dia em Santa Catarina. Barcos e aviões são bens de alto valor que pertencem, em sua maioria, a uma parcela muito pequena e abastada da população. Enquanto isso, os trabalhadores comuns são obrigados a pagar IPVA por seus carros, motos e caminhões, usados para trabalhar e garantir seu sustento. Para piorar, Santa Catarina apresenta um crescimento significativo no número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Dados recentes do IBGE apontam que o estado, antes considerado referência em qualidade de vida, registrou um aumento de 15% no número de pessoas vivendo em favelas nos últimos anos. Entre 2020 e 2023, o núme...