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UMA REFLEXÃO A PARTIR DO CEI CANTINHO DO BOM PASTOR: ENTRE ENCONTROS E DESENCONTROS

         A manhã de 05 de abril de 2023 foi marcada pela brutalidade de um assassino, que invadiu o CEI Cantinho Bom Pastor em Blumenau, vitimou 4 crianças letalmente e outras 5 ficaram feridas. Fragilizou uma nação, diante da impotência e da crueldade. Uma mensagem, nas mídias sociais da instituição atingida, no primeiro dia do mês afirmava, “bem-vindo abril, nos traga esperança e paz”. A impotência reforça os votos de esperança, acima de qualquer outra coisa.

Segundo a NSC Total, via G1, um homem de 25 anos pulou o muro da creche e iniciou o ataque contra as crianças com uma machadinha. As vítimas foram atingidas na região da cabeça. Após a ação, ele se entregou no Batalhão da Polícia Militar. O suspeito tem passagens por porte de drogas, lesão e dano, segundo a Polícia Civil. O ataque acontece dez dias após uma escola, em São Paulo, ser alvo de um adolescente, que vitimou uma professora com golpes de facas, além de outros feridos. 

O que você deseja, vingança ou justiça? 

Foto: O Município
Para Gilles Deleuze[1] um encontro é o mesm
o que um devir, ou são as núpcias. Ele designa um efeito, um ziguezague, algo que passa ou que se passa entre dois, como sob uma diferença de potencial. O encontro não é uma representação, ele é o agenciamento entre representações, um domínio no campo dos afetos. O encontro é uma manifestação da arte, e vai ao desencontro da lógica veloz da produtividade. O encontro desafia os ideários do capitalismo.

O massacre promoveu múltiplos desencontros. Nos aproximamos da festa da Páscoa, pela cristandade, ela marca a paixão; morte e ressurreição de Jesus Cristo (Jo 17; 18; 19; 20 e 21). A festa cristã promove um encontro em torno da fé, superando a morte com vistas a promessa de vida eterna. O mesmo Cristo, chamado de Bom Pastor (Jo 10, 11-21) acolhe, pelo abraço. O ataque, na creche do encontro, interrompe a perspectiva da vida, tornando-se, agora, símbolo do desencontro, provocado por um desencontrado. Não é questão de defendê-lo, mas, de perceber, que o julgamento pode ser mais rápido que a reflexão. 

A mídia não-instituída opera noutro tipo de velocidade. No ato da promoção da chacina os celulares vibravam com notícias, fotos, desinformações e devaneios. Teorias da conspiração surgiam na mesma velocidade que a sede do usuário. Enquanto, todos possuem a oportunidade de criar, registrar e compartilhar, a destituição da informação desencontra. Ao mesmo tempo, o encontro midiático, por vias oficiais, em muitos casos aliena. Então, como promover o acesso ao encontro?

Uma sábia-amiga-professora compartilhou, diante da feiura do desencontro, a arte surge como saída. A mesma arte criminalizada nos últimos meses, a mesma que alguns insistem em categorizar como “coisa de vagabundo”. Quando ela desaparece, a beleza das cores torna-se uma grande sombra cinza. A Arte é a saída sóbria, mais eficiente que um estado policialesco que as autoridades políticas insistem e abordar. A arte é um encontro perene, o policialesco é o momento, o instante que separa, é semelhante ao bote da cobra, ela se arma, antes de atacar. A arte é desalinhar do bote.  Hoje a sociedade vitimada justifica o bote como saída do luto.

Quando uma escola é atacada, surge rapidamente a falsa necessidade do reforço do estado policialesco. Como se ele pudesse juntar os pedaços, sendo sequelas de uma escola já fragilizada. Como esta condição promovesse algum tipo de encontro, em vez disso, vela inúmeras fugas. Como aquelas que produzem os assassinos. Os assassinos em escolas, são produtos sociais da escola.

Enquanto a vingança promove desencontros, forjada a base do ódio, a justiça é a possibilidade do encontro, mesmo que seu tempo esteja diferente daquele que sente a dor e a desesperança no corpo[2]. 



[1] DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.

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