"Você é responsável
pelo amor que desperta no outro?"
O Pequeno Príncipe,
uma obra de Antoine de Saint-Exupéry, oferece uma profunda reflexão sobre a
importância de cuidar do outro e a responsabilidade que carregamos pelos
sentimentos que despertamos. Já escrevi o contrário tentando preservar o eu,
mas como lembra Aristóteles, vivemos com o outro. A frase “somos
responsáveis por aquilo que cativamos” resume essa ideia, mostrando
que o ato de cativar, de criar laços afetivos, nos coloca numa posição de
cuidado e atenção em relação ao outro. É muito triste despertar o amor e não
cativar. Chega a uma covardia.
Cativar significa
“criar laços”, estabelecendo uma conexão única e singular com o
outro. Essa conexão, porém, não pode ser apenas um benefício unilateral. Cativarei o outro para usar dele durante um tempo. Ao cativar alguém, nos
tornamos responsáveis por essa pessoa, por seus sentimentos e pelo seu bem-estar.
Há uma responsabilidade ética sobre os envolvidos. O afeto é sempre uma
condição bidirecional: afetar alguém implica em ser, por sua vez, ser e estar afetado.
A responsabilidade sobre outrem não é uma prisão. Afinal, o principezinho,
cativado pela rosa, viajou o mundo, não estava preso a ela. O amor liberta.
Há outro
acontecimento que chama minha contemplação, o encontro do Pequeno Príncipe com
a raposa. Essa história ilustra essa ideia envolventemente. A raposa,
solitária e entediada com a mesmice da vida, anseia por ser cativada pelo
príncipe. Ela explica que, ao cativá-la, ele a tornaria única para ele, e ele
se tornaria único para ela, preenchendo suas vidas com significado e alegria.
No entanto, a raposa também adverte o príncipe sobre a responsabilidade
inerente ao ato de cativar: ele se tornaria responsável por ela. E aqui
reside as frustrações, quando a expectativa diante da responsabilidade não se
realiza, o ato de desamor.
Na obra de Saint-Exupéry,
a responsabilidade é demonstrada de diversas maneiras. O cuidado do
principezinho com sua rosa, regando-a, protegendo-a com uma redoma e livrando-a
das larvas. Mesmo diante da resistência da rosa. A tristeza da raposa ao se
despedir do principezinho, ciente de que a partida traria sofrimento, mas
também a certeza de que o tempo que passaram juntos fez a amizade valer a pena.
E como é difícil o distanciar-se. Mesmo quando o outro representa a rosa, tal
qual a rosa do Princípio, o distanciar-se também tem um peso, talvez, uma
leveza.
Através desses
exemplos, o autor nos mostra que o amor e a amizade exigem cuidado e atenção,
que a felicidade do outro se torna tão importante quanto a nossa. Não há
felicidade na individualidade. A responsabilidade por aquele que cativamos não
é um fardo, mas um privilégio, pois nos permite experimentar a profundidade dos
laços afetivos e a riqueza que eles trazem para nossas vidas. Assim como o
principezinho aprendeu com a raposa, o verdadeiro valor reside naquilo que é
invisível aos olhos, mas que o coração consegue enxergar: o amor, a amizade e a
responsabilidade de cuidar do outro.
Obras citadas
ARISTÓTELES. Ética
a Nicômaco. 4. ed. São Paulo: Edipro, 2018.
DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? 3. ed. São Paulo: Editora 34,
2010.
SAINT-EXUPÉRY,
Antoine. O pequeno príncipe. 48. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2006.
03/12/2024
Prof.
Dr. Albio Fabian Melchioretto
https://orcid.org/0000-0001-8631-527
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