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ANÁLISE DO FILME UMA GUERRA PESSOAL

 A private war (EUA; Inglaterra – 2018) mostra a história da repórter de guerra Marie Colvin a partir do momento que ela perde a visão no olho esquerdo em 2001 no Sri Lanka até sua morte em Homs, Síria em 2012. Colaborou por anos ao The Sunday Times. Poucos dias antes da morte, Colvin escreveu, “cobrir uma guerra significa ir a locais destroçados pelo caos, destruição e morte, e tentar dar testemunho.” Obstinada em apresentar ao mundo os horrores da guerra, é um ótimo filme para vermos em dias sombrios onde Estados Unidos e Irã ameaçam a vida humana. Após o filme, garimpei na internet alguns textos de Marie Colvin, e não há como ficar indiferente diante da leitura. Comove e nos faz pensar que jamais houve e nunca haverá beleza na guerra.

O longa-metragem, como tantos outros, trata o idealista como uma pessoa estranha. Alheia aquilo que o cotidiano naturaliza. Colvin é uma inconformada que acredita piamente no que faz. Crer, não para pensar em louros e dinheiro, mas para promover um mundo melhor. Estranha, porque explora a morte, não como venda ou como loucura para primeira página. Mas, próximo de Hannah Arendt, mostrar os horrores da guerra para a humanidade perceber os próprios erros a fim de evitá-los. A exploração das histórias, das vidas rompidas, das trajetórias cessadas como alerta do caminho errado que nós, enquanto humanidade, insistimos em repetir.

O filme traz duas angústias. Primeiro sabemos do fim trágico de Colvin. Mesmo que não soubéssemos, a narrativa divide os fatos numa contagem regressiva para sua morte. Na regressão para a morte, a lucidez aos fatos. Numa época onde a morte e as ideologias de poder negam o conhecimento, a busca incansável pelos fatos, Colvin nos ensinar que a verdade vela a pena.

A cena da entrevista com Muammar al-Gaddafi é surreal. Não é jornalismo pó-de-arroz que vemos na internet nos dias autuais ou a superficialidade do telejornal noturno. É entrevista, é buscar a resposta, ir à essência do problema, desafiar o poder, o capital e as verdades contadas. Talvez, em tempos onde a mídia é só mais um produto, atitudes de desafio e rebeldia frente ao fato trazem algumas reflexões. Talvez esta cena nos ajude a entender as várias guerras que fazem Colvin tomar consciência da guerra pessoal que cada um de nós devesse viver.

Diferente de algumas cine-biografias, A private war, não está preocupada em contar um fato, uma história. Traz recortes de vida. Não se territorializa nos eventos, o que pode fazer um espectador comum perder-se. Não veste a capa de herói em Colvin, mas mostra um humano, idealista sim, mas como vícios e virtudes, com erros e acertos, em fim, uma humana no sentido estrito do termo.

O filme recebeu duas indicações para o Globo de Ouro 2019. Em Melhor Atriz (Rosamund Pike) e Melhor Música para Filme (Requiem for a Private War).

Última fala de Colvin, antes da morte em Homs, https://www.bbc.com/news/av/world-middle-east-17120484/journalist-marie-colvin-in-homs-i-saw-a-baby-die-today#share-tools

Matéria do Último Segundo, IG, falando da morte da jornalista: https://ultimosegundo.ig.com.br/revoltamundoarabe/jornalistas-ocidentais-sao-mortos-em-homs-na-siria/n1597647701577.html

Texto escrito em 2019

Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto

https://orcid.org/0000-0001-8631-527


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