Pular para o conteúdo principal

BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO


Outro dia, correndo pelos canais da televisão, parei no SBT. Era o longo jornal matinal. Na tela havia um corpo e muitos policiais. A jornalista, em um longo monólogo, contava que a vítima foi resultado de um bandido liberado na saidinha, das muitas que temos. Ele aproveitou para tecer um novo crime. O resto do discurso é aquele de sempre, bandido bom é bandido morto, que a justiça deveria ser rigorosa, que a soltura, blá, blá, blá.

Há uma questão que me fez pensar, enquanto assistia aquele discurso raivoso. Por que culpamos o bandido pela reincidência no crime e não o sistema carcerário que falhou na recuperação humana? Dados mostram que 70% dos bandidos soltos voltam a cometer algum tipo de crime. É falha de caráter ou falha do sistema carcerário que não deu conta de reintegrar o detento?

O sistema carcerário possui duas funções, punir e recuperar. Parcialmente dá conta apenas do isolamento. Falha grotescamente ao não recuperar. Qual instituição que, com apenas 30% de sucesso, se sustenta? Mas quem é o sistema carcerário? Aí, precisamos pensar na política que administra as grandes cadeias, da forma de treinamento dos agentes; dos programas sociais – na maioria das vezes negados; nos processos de ensinar e aprender; na formação humana. Arma-se uma negação de humanidade ao preso.

Parece-me, muito óbvio, que o ser não-humanizado aja como tal. Porque esperar um comportamento diferente, se nada foi dado a ele. Há uma passagem bíblica que diz, “a quem muito foi dado, muito esperado”. A lógica inversa também é verdade. Do pouco que foi dado, o sistema carcerário, ainda subtrai. E além, a cessação da pena, é apenas para o cárcere, não para a sociedade. O exemplo do discurso televiso, é a prática de uma sociedade que continua hipocritamente a condenar. 

Texto escrito em 2020, revisto em 15.dez 2024

Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto

https://orcid.org/0000-0001-8631-527


Obras referenciadas

VIANA, Diogo. Quantos ex-detentos voltam a cometer crimes?. Edição 328, jun. 2023. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/quantos-ex-detentos-voltam-a-cometer-crimes/. Acesso em: 15 dez. 2024. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ZUCKERBERG INAUGURA NOVA FASE DA PÓS-VERDADE?

  Imagem gerada por Artificial Intelligence. Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto https://orcid.org/0000-0001-8631-5270 Massaranduba, 15 de janeiro de 2025 Você já ouviu falar, ou, já leu algo sobre o conceito de pós-verdade? Para D’Ancona (2018) a ideia de pós-verdade sugere uma crise na comunicação e no debate político. Um tempo em que a “verdade” é moldada por interesses de grupos políticos, econômicos ou sociais que constroem narrativas próprias.  Grupos que em vez de fundamentar-se em fatos verificáveis pautam-se em discursos de interesses. Essa dinâmica tem implicações significativas para a democracia, enfraquecer a confiança nas instituições e o entendimento público em questões complexas. A desinformação na pandemia, por exemplo, causa problemas até hoje! Há de se considerar que a construção histórica de narrativas atendeu a interesses conforma objetivos de controle sobre uma determinada população (Foucault, 2009). Esse processo de construção de narrativas é observado ...

BOLSONARO E A CORROSÃO DA MORAL: UM PARALELO COM "É ISTO UM HOMEM?"

  O relatório da Polícia Federal, divulgado dia 27 de novembro de 2024, expõe um conjunto de ações orquestradas por ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados visando subverter o regime democrático brasileiro. As evidências apontam para a disseminação de desinformação sobre a integridade do sistema eleitoral, a articulação de planos para impedir a posse do presidente legitimamente eleito e até mesmo a intenção de neutralizar figuras-chave do Judiciário, como o Ministro Alexandre de Moraes. Tal cenário encontra paralelo com a realidade brutal retratada por Primo Levi (1988) em "É Isto um Homem?", onde a aniquilação da moral se torna um instrumento de controle e perpetuação do poder. Um golpe de estado, em qualquer situação, é o aniquilamento da moral. Levi (1988) apresenta testemunho cru da desumanização perpetrada nos campos de concentração nazistas, serve como alerta para os perigos da corrosão moral e do fascismo, e aqui entendido como oposição à democracia. No un...

JORGINHO MELLO PROTEGE OS RICOS E SOBRECARREGA OS POBRES

O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), anunciou que não implementará a cobrança de IPVA para embarcações e aeronaves no estado até que uma Lei Complementar Federal regule o tema. A justificativa? Supostamente, garantir “clareza e segurança jurídica” e apoiar os setores náutico e aéreo. No entanto, essa decisão escancara o abismo social que cresce a cada dia em Santa Catarina. Barcos e aviões são bens de alto valor que pertencem, em sua maioria, a uma parcela muito pequena e abastada da população. Enquanto isso, os trabalhadores comuns são obrigados a pagar IPVA por seus carros, motos e caminhões, usados para trabalhar e garantir seu sustento. Para piorar, Santa Catarina apresenta um crescimento significativo no número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Dados recentes do IBGE apontam que o estado, antes considerado referência em qualidade de vida, registrou um aumento de 15% no número de pessoas vivendo em favelas nos últimos anos. Entre 2020 e 2023, o núme...