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COMENTÁRIO DE "DEMOCRACIA EM VERTIGEM"

 O Oscar não preparado para receber o documentário de Petra Costa. Democracia em Vertigem relata, pela ótica de Petra, a ascensão e queda do grupo político do PT. Não faz nenhum sentido critica o viés político do documentário, todos possuem um direcionamento e fim. Não há discurso “puro” ou inocente. Mas pela segunda visualização quero destacar três pontos, a não-linearidade; os longos minutos de silêncio e a escolha política. Penso que a passagem pelos três pontos nos indiquem porque o Oscar ainda não estará pronto para receber e aclamar um documentário político brasileiro crítico ao golpe-16.

O documentário se propõe contar a ascensão e queda da democracia brasileira. Recortes e escolhas factuais são necessárias, mas elementos importantes ficaram de fora, que poderiam ser melhor apresentadas. Por exemplo, o governo FHC. Muito do sucesso do primeiro Lula, se dá pela onda de estabilidade criada por ele. E outra coisa que me incomoda, a direita não ascendeu com o Bolsonaro, ela sempre esteve aí. Somente o segundo Lula teve a maioria no congresso, mas o fez em acordos com a direita, que sempre foi a maioria. Logo, a direita está no governo desde a independência, agora que ela se assume com despropósitos como a Bíblica, o Boi e a Bala. Nunca fomos um governo de esquerda. Tivemos quatro eleitos presidenciáveis de partidos de oposição à direita, mas nunca um governo com executivo e legislativo e uma pauta de esquerda. E me parece que o documentário se prende a reforças uma falsa ideia de esquerda por meio de uma narrativa histórica não-linear, que salta, retrocede, retorna e vai para diversos pontos, dificultando a compressão factual se não os conhecer.

O que revelam os longos minutos de silêncio? Entradas, saídas, pausas dramáticas, paisagens… o silêncio é demasiado. A não-fala também é um recurso. Mas, por vezes, no documentário é desnecessária. O não-dito retratam a caminhada do dia a dia, e podem sugerir a humanidade dos personagens envolvidos. Mas, nos propõe um exercício imaginativo exagerado que não acrescenta na leitura dos fatos. E por fim, a escolha política. O partido central é dos trabalhadores, mas chave de leitura não é do PT, é um elemento. O impeachment é de Dilma, mas ela não é central na questão, foi posta de lado ao longo, a democracia é mais do que o voto, e o foco está na possibilidade de votar e ver que ele pouco representa. Talvez, este seja o elemento que liga a primeira cena com o desfecho. Mas só talvez!.

Recomendo a visualização, a leitura e a crítica a ele. Cansativo por momentos, mas um
documentário necessário para contar uma história surrupiada pelos boletins de notícia, com fatos ignorados. Uma narrativa inteligente frente a tantas narrativas imbecis construída em “live” nos últimos meses. E por fim, como diz um ex-senador, “se a economia estivesse bem, ninguém se preocuparia com Dilma”.  E para concluir quero recortar um trecho sobre Gilles Deleuze, aonde questiona que “a formação dos Alpes (que passou por vários períodos geológicos, inimagináveis em termos de duração com seus episódios imensuráveis) mostra o tempo em estado puro, as forças ou mesmo a imagem direta do tempo, à diferença das fixações eternas, produto das substâncias segundas e estes produtos da primeira síntese do tempo, da representação do tempo, da periodicidade dos ciclos orgânicos, que fazem da filosofia a reprodução das mesmas questões e a busca das mesmas respostas ___ os falsos problemas; mostra linhagens estranhas e criativas que se envolvem com a eternidade, marcadas pela diferença interna, pela diferença intrínseca sem a presença de universais, sem a presença da substância segunda. Um invariante, um gênero que retém suas espécies e estas, seus indivíduos; enquanto o conceito singular é nômade, bifurcações e variações não lhe são acidentais, são-lhe essenciais __ como a dobra não é um acidente Barroco(…) [Cládio Ulpiano, Gilles Deleuze, a aventura do pensamento]"

A Democracia em Vertigem está mais para os Alpes que para o Oscar, mas não porque ele é ruim, mas porque o Oscar ainda não está pronto para entender o Golpe-16.

Texto escrito em 2020

Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto

https://orcid.org/0000-0001-8631-527

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