O documentário se propõe contar a ascensão e queda da
democracia brasileira. Recortes e escolhas factuais são necessárias, mas
elementos importantes ficaram de fora, que poderiam ser melhor apresentadas.
Por exemplo, o governo FHC. Muito do sucesso do primeiro Lula, se dá pela onda
de estabilidade criada por ele. E outra coisa que me incomoda, a direita não
ascendeu com o Bolsonaro, ela sempre esteve aí. Somente o segundo Lula teve a
maioria no congresso, mas o fez em acordos com a direita, que sempre foi a
maioria. Logo, a direita está no governo desde a independência, agora que ela
se assume com despropósitos como a Bíblica, o Boi e a Bala. Nunca fomos um
governo de esquerda. Tivemos quatro eleitos presidenciáveis de partidos de
oposição à direita, mas nunca um governo com executivo e legislativo e uma
pauta de esquerda. E me parece que o documentário se prende a reforças uma
falsa ideia de esquerda por meio de uma narrativa histórica não-linear, que
salta, retrocede, retorna e vai para diversos pontos, dificultando a compressão
factual se não os conhecer.
O que revelam os longos minutos de silêncio? Entradas,
saídas, pausas dramáticas, paisagens… o silêncio é demasiado. A não-fala também
é um recurso. Mas, por vezes, no documentário é desnecessária. O não-dito
retratam a caminhada do dia a dia, e podem sugerir a humanidade dos personagens
envolvidos. Mas, nos propõe um exercício imaginativo exagerado que não
acrescenta na leitura dos fatos. E por fim, a escolha política. O partido
central é dos trabalhadores, mas chave de leitura não é do PT, é um elemento. O
impeachment é de Dilma, mas ela não é central na questão, foi posta de lado ao
longo, a democracia é mais do que o voto, e o foco está na possibilidade de
votar e ver que ele pouco representa. Talvez, este seja o elemento que liga a
primeira cena com o desfecho. Mas só talvez!.
Recomendo a visualização, a leitura e a crítica a ele.
Cansativo por momentos, mas um
documentário necessário para contar uma história
surrupiada pelos boletins de notícia, com fatos ignorados. Uma narrativa
inteligente frente a tantas narrativas imbecis construída em “live” nos últimos
meses. E por fim, como diz um ex-senador, “se a economia estivesse bem, ninguém
se preocuparia com Dilma”. E para
concluir quero recortar um trecho sobre Gilles Deleuze, aonde questiona que “a formação dos Alpes (que passou por vários períodos geológicos,
inimagináveis em termos de duração com seus episódios imensuráveis) mostra o
tempo em estado puro, as forças ou mesmo a imagem direta do tempo, à diferença
das fixações eternas, produto das substâncias segundas e estes produtos da
primeira síntese do tempo, da representação do tempo, da periodicidade dos
ciclos orgânicos, que fazem da filosofia a reprodução das mesmas questões e a
busca das mesmas respostas ___ os falsos problemas; mostra linhagens estranhas
e criativas que se envolvem com a eternidade, marcadas pela diferença interna,
pela diferença intrínseca sem a presença de universais, sem a presença da
substância segunda. Um invariante, um gênero que retém suas espécies e estas,
seus indivíduos; enquanto o conceito singular é nômade, bifurcações e variações
não lhe são acidentais, são-lhe essenciais __ como a dobra não é um acidente
Barroco(…) [Cládio Ulpiano, Gilles Deleuze, a aventura do pensamento]"
A Democracia em Vertigem está mais para os Alpes que para
o Oscar, mas não porque ele é ruim, mas porque o Oscar ainda não está pronto
para entender o Golpe-16.
Texto escrito em 2020
Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto
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