https://orcid.org/0000-0001-8631-5270
A direita brasileira deturpa os discursos. A deturpação pode ser má-fé e, problemas sérios de domínio intelectual sobre os conceitos. A julgar seus políticos, mais preocupados em mídias sociais que livros, acredito que ambas sejam verdadeiras. A ausência de conhecimento e a má-fé sobre os discursos. Para tentar responder à questão problema, me valerei de um texto clássico de Marilena Chauí (1980).
Os discursos da direita brasileira são rasos, mediados pelo
momento de interesse, e desconhecedores de processos históricos. Frequentemente
acusa professores de doutrinação ideológica, sem compreender a complexidade do
termo e seu funcionamento. Essa simplificação ignora a gênese histórica da
ideologia e a torna um instrumento de ataque vazio na busca incansável em
defesa do autoritarismo que lhe é particular. “As manifestações ideológicas do
autoritarismo brasileiro são desvendadas a partir de sua gênese na própria
estrutura autoritária da sociedade brasileira” (Chaui, 2022, p. 6 - Apresentação de André Rocha).
Conforme Chauí (1980) o termo “ideologia” surge no século
XIX com Destutt de Tracy, denotando uma ciência da gênese das ideias. Na época
em que Napoleão Bonaparte, buscando consolidar seu poder, inverte o sentido do
termo, acusando os ideólogos de "tenebrosos metafísicos” (cf. Chaui,
1980, p. 13). Essa deturpação,
posteriormente utilizada por Karl Marx em sua crítica aos ideólogos alemães,
consolida a noção de ideologia como um sistema de ideias que mascara a
realidade. Aqui há uma chave para entender o conceito. A ideia de mascarar a
realidade.
Estratégias como a desinformação mediante canais de
mensageiros instantâneos; a instrumentalização religiosa por meio do movimento neopentecostal
e setores tradicionais da igreja católica e a subversão da ordem democrática
são exemplos evidentes do mascaramento da realidade. O fenômeno do 8 de janeiro
está aí, como grande levante ideológico.
Voltando para Chaui (1980), a ideologia, longe de ser um
conjunto de crenças individuais professadas por professores, é um mecanismo de
dominação de classe. “Portanto, enquanto não houver um conhecimento da história
real, enquanto a teoria não mostrar o significado da prática imediata dos
homens, enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica e sem pensamento,
a ideologia se manterá” (Chaui, 1980, p. 46). A escola é lugar de conhecimento, da
construção de um saber histórico sustentando por dados e por paradigmas científicos
válidos. O revisionismo histórico, beira a pura ideologia.
A ideologia opera por meio da inversão e abstração. A
inversão da realidade social e a abstração das condições concretas que produzem
as relações sociais. A criação de monstros se faz necessário para que estes
mecanismos operem numa lógica salvífica. Enquanto houver um monstro, haverá aquele
que se apresente como herói para reestabelecer a ordem. Aliás, como o mecanismo
de ordem é perigoso, porque impõe única realidade social aceitável, fabricando
um determinado tipo de história. “Aquela que reduz o passado e o futuro às
coordenadas do presente” (Chaui, 1980, p. 63).
A despeito, o discurso ideológico se sustenta por meio de “lacunas”,
“brancos” ou “silêncios”. A coerência da ideologia reside justamente em não
explicitar tudo*, pois, ao fazê-lo, revelaria as contradições e a sua própria
origem na luta de classes. Basta dizer, “a
terra é plana” e isso é suficiente. Um apelo constante ao senso comum. A
crítica da direita, ao acusar professores de “ideologia”, ignora essa lógica da
lacuna e simplifica o conceito, atribuindo-lhe um caráter individual e
intencional, invalidade os paradigmas da ciência com crenças sustentadas unicamente
pelo senso-comum. A escola é lugar da ciência e da técnica.
Compreender a ideologia como um fenômeno histórico e social
complexo é essencial para desconstruir a crítica simplista que sustentam os
discursos da direita brasileira. A acusação de “ideologia” dirigida a
professores ignora a lógica da lacuna e a função de dominação de classe que a
ideologia exerce. A crítica da direita se revela, portanto, como um instrumento
de controle social, buscando impor uma visão de mundo homogênea e silenciar as
vozes que se atrevem a questionar a ordem estabelecida. Se a escola, através da
ciência, não questionar as visões de mundo, qual será seu papel educador, então?
Obras citadas
CHAUI, Marilena. Manifestações ideológicas do autoritarismo
brasileiro. São Paulo: Autêntica Editora, 2022.
CHAUI, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1980.
(Coleção Primeiros Passos).
Massaranduba, 25 de dezembro de 2024
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