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COMO SER RESISTÊNCIA EM TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL?

As leituras de Giorgio Agamben, Byong-Chul Han e outros pensadores, feitas nos últimos dias, me fazem pensar sobre a necessidade de ser resistência diante do contexto atual. Aqui não falo em resistência como revolução armada, mas a formação de ideais que possibilitem uma reflexão diante de tantas “verdades” que consumimos, sem ao menos questionar. Resistir a ideias como, “a economia vai quebrar”, ou ainda, “enfrentaremos uma crise sem precedentes”. Como resistir ao discurso midiático envolvido de projetos políticos?

A primeira resistência deveria passar pela aceitação que o COVID19 não nos tornou todos iguais. Vamos nos unir, branda o âncora mais inflamado do jornalismo popularesco. Unir para? Manter um sistema desigual que sustenta uma reserva de mercado formado por dois dígitos percentuais de desempregados no Brasil? Ou para justificar uma desconcentração de renda onde a minoria bilionária é superior à maioria pobre? Este mundo é aquele onde 26 indivíduos que possuem ao menos 1 bilhão de dólares e somados, concentram mais dinheiro que os 3,8 bilhões de pessoas mais pobres do planeta, algo perto de 50% da população mundial. Não é hora de união em prol da formação de desigualdade, mas momento de observação e torcida para que este sistema injusto quebre de vez.

A segunda perspectiva, a economia quebrará. Um mercado frágil que oscila diante da especulação, para diante de greve de caminhoneiros, observa uma crise dita das bolhas imobiliárias, em 2008, treme frente ao petróleo árabe, vai quebrar? Ele está em frangalhos, desde a crise dos anos de 1970. Sua ruína talvez seja a última gota de esperança para os mais de 3,8 bilhões de humanos que vivem na pobreza. Se não quebrar, seremos todos engolidos por ricos gananciosos que afirmam, sem escrúpulo, que a morte de 5 mil idosos não é problema, ou os que chamam a ameaça do COVID19, de gripezinha.

Alguns gritam, “enfrentaremos uma crise sem precedentes”. Já estamos nela, e aqui, cito apenas exemplos domésticos. Além do desemprego já mencionado, há a fragilidade da política cambial, a não ingerência no preço dos combustíveis, que torna nosso combustível caríssimo, o salário-mínimo inferior às percas salariais do ano anterior, o corte de programas sociais, a criminalização do pobre, o desprezo pela ciência e pela educação. São todas práticas assumidas pelo governo nos últimos meses. A crise sem precedentes se estabeleceu desde as manifestações de julho de 2013, quando o discurso neoliberal foi a rua. Não se põe a perseguição aos pobres na conta do COVID19.

“Nossos senhores são escravos que triunfam num devir-escravo universal: o homem europeu, o homem domesticado, o bobo... Nietzsche descreve os Estados modernos como formigueiros, no qual os chefes e os poderosos levam a melhor devido à sua baixeza, ao contágio desta baixeza e desta truanice (...) Quando o niilismo triunfa, então e só então a vontade de poder deixa de querer dizer 'criar', mas significa: querer o poder, desejar dominar (portanto, atribuir-se ou fazer com que atribuam os valores estabelecidos, dinheiro, honras, poder...). Ora, esta vontade deste poder é precisamente a do escravo, é a maneira como o escravo ou o impotente concebe o poder, a ideia que dele faz, e que ele aplica quando triunfa. Acontece que um doente pode dizer: ah! Se eu estivesse bom, faria isto - e talvez o fizesse -, mas os seus projetos e as suas concepções são ainda as de um doente, e nada mais que as de um doente (DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Lisboa: Edições70, 2007 [1965], p. 26).

Textos escritos durante a Pandemia 2020

Obras mencionadas

AGAMBEN, Giorgio et al. Sopa de Wuhan. [S. l.]: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.

AGAMBEN, Giorgio. Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia. São Paulo: Boitempo, 2020.

DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Lisboa: Edições 70, 2007.
 
KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto

https://orcid.org/0000-0001-8631-527

 

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