A primeira resistência deveria passar pela aceitação que o
COVID19 não nos tornou todos iguais. Vamos nos unir, branda o âncora mais
inflamado do jornalismo popularesco. Unir para? Manter um sistema desigual que
sustenta uma reserva de mercado formado por dois dígitos percentuais de
desempregados no Brasil? Ou para justificar uma desconcentração de renda onde a
minoria bilionária é superior à maioria pobre? Este mundo é aquele onde 26
indivíduos que possuem ao menos 1 bilhão de dólares e somados, concentram mais
dinheiro que os 3,8 bilhões de pessoas mais pobres do planeta, algo perto de
50% da população mundial. Não é hora de união em prol da formação de
desigualdade, mas momento de observação e torcida para que este sistema injusto
quebre de vez.
A segunda perspectiva, a economia quebrará. Um mercado
frágil que oscila diante da especulação, para diante de greve de caminhoneiros,
observa uma crise dita das bolhas imobiliárias, em 2008, treme frente ao
petróleo árabe, vai quebrar? Ele está em frangalhos, desde a crise dos anos de
1970. Sua ruína talvez seja a última gota de esperança para os mais de 3,8
bilhões de humanos que vivem na pobreza. Se não quebrar, seremos todos
engolidos por ricos gananciosos que afirmam, sem escrúpulo, que a morte de 5
mil idosos não é problema, ou os que chamam a ameaça do COVID19, de gripezinha.
Alguns gritam, “enfrentaremos uma crise sem precedentes”.
Já estamos nela, e aqui, cito apenas exemplos domésticos. Além do desemprego já
mencionado, há a fragilidade da política cambial, a não ingerência no preço dos
combustíveis, que torna nosso combustível caríssimo, o salário-mínimo inferior às percas salariais do ano anterior, o corte de programas sociais, a
criminalização do pobre, o desprezo pela ciência e pela educação. São todas
práticas assumidas pelo governo nos últimos meses. A crise sem precedentes se
estabeleceu desde as manifestações de julho de 2013, quando o discurso
neoliberal foi a rua. Não se põe a perseguição aos pobres na conta do COVID19.
“Nossos senhores são escravos que triunfam num
devir-escravo universal: o homem europeu, o homem domesticado, o bobo...
Nietzsche descreve os Estados modernos como formigueiros, no qual os chefes e os
poderosos levam a melhor devido à sua baixeza, ao contágio desta baixeza e
desta truanice (...) Quando o niilismo triunfa, então e só então a vontade de
poder deixa de querer dizer 'criar', mas significa: querer o poder, desejar
dominar (portanto, atribuir-se ou fazer com que atribuam os valores estabelecidos,
dinheiro, honras, poder...). Ora, esta vontade deste poder é precisamente a do
escravo, é a maneira como o escravo ou o impotente concebe o poder, a ideia que
dele faz, e que ele aplica quando triunfa. Acontece que um doente pode dizer:
ah! Se eu estivesse bom, faria isto - e talvez o fizesse -, mas os seus
projetos e as suas concepções são ainda as de um doente, e nada mais que as de
um doente (DELEUZE, Gilles. Nietzsche. Lisboa: Edições70, 2007
[1965], p. 26).
Textos escritos durante a Pandemia 2020
Obras mencionadas
Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto
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