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CRÍTICA AO FILME "CORINGA"

 Alerta de Spoiler. Esta postagem contêm revelações sobre o enredo.

Gosto de filme de ficção. Eles são interessantes para apresentar uma leitura da realidade com elementos meta-verdadeiros. Hoje, acompanhei o filme “Coringa”. Ele serviu para responder questões da ficção e problematizar a realidade. Então, primeiro a ficção. O filósofo americano Matt Moris, no livro Os Super-heróis e a filosofia questiona se o herói existe devido ao vilão ou o vilão existe por conta da existência do heroísmo. Um embate para determinar a validade moral do herói. O Coringa de Todd Phillips deixa clara que o violão é anterior a figura do herói. O palhaço psicótico de Gotham, é anterior ao Batman. E suas ações e as consequências é trazem luz à tragédia da origem de Batman. Fui ao cinema esperando encontrar um enredo de aventura, mas deparei-me com um trailer psicológico profundamente depressivo. O contexto de abalo, violência, percas e o mais informe, o desprezo do Estado pelo Arthur (Joaquim Phoenix) são elementos profundamente sensíveis para a formação de Coringa. Em alguns momentos, pelo sangue jorrando na tela, pensei que fosse um filme de Tarantino.

 Arthur nega o viés político de suas ações. Mas ele sente prazer ao ser ovacionado pela multidão. Despreza a assistente social que não ri de suas piadas. Cria repulsa ao apresentador que o diminui. Arthur tem uma pegada política muito forte. Ao mesmo tempo que nega, carrega consigo um discurso da revolução. Do olhar para o excluído em busca de justiça social. Se o discurso oral distância, o caderno seu caderno de anotações é cheio de tiradas políticas que o aproxima. A bipolaridade das ações é forte. O desprezo pelas regras é grita nas entrelinhas de seu diário. “A pior parte de uma doença, metal, é a expectativa que as pessoas têm, que você se comporte como se não a tivesse” [tradução livre]. A violência no filme não é gratuita, como a violência em nossa sociedade não o é. A violência é a forma do mudo gritar, do cego enxergar. Não é melhor forma, como muitos advertem no filme. Mas quem só sofreu violência, não percebe a existência de outros caminhos. A criança Arthur teve seus sonhos exilados, não poderia ser outro, senão o palhaço depressivo psicótico.

O discurso da revolta de Coringa no palco de Murray Franklin (Roberto DiNiro), é a transformação do doente em vilão. “Achava que minha vida era uma tragédia. É uma comédia”. Uma comédia do descaso. Da ausência de um olhar para o outro. Desemprego, corrupção, mentiras, desenvolvimento desigual, injustiça social, são todos temas tomados pelo Coringa e retratados no filme desde a primeira cena. Já na parte final, a figura do palhaço sobre a viatura da política, ovacionado por outros palhaços, é forte. Em um dado momento anterior, Thomas Wayne aparece na televisão anunciando sua candidatura, agride a população chamando-a de “palhaços” e ofendendo os pobres como se fossem culpados pela própria pobreza. Eles estão cagando por pessoas como você. Eles estão cagando por pessoas como eu também.” Alguma semelhança entre a ficção e a realidade?


Texto escrito em 2019


Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto

https://orcid.org/0000-0001-8631-527


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