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Atos terroristas: entenda o que aconteceu em Brasília (EDISON BUENO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO/Reprodução, portal Exame) |
Prof. Dr. Albio
Fabian Melchioretto
06 de janeiro de
2025 Lembrai, lembrai, [o oito de janeiro]. A pólvora,
a traição e o ardil; por isso não vejo por que esquecer uma traição de pólvora
tão vil. Parafraseando Guy Fawkes (cf. Moore, 2002), pretende-se nestas
linhas especular como o discurso de ódio que sustenta o bolsonarismo pode ser um
estopim para ameaças terroristas. O terrorismo no Brasil se apresenta como uma ameaça
crescente, especialmente no contexto político que emergiu com a ascensão do
bolsonarismo, desde o golpe parlamentar contra a presidente Dilma (cf.
Ruffato, 2016). E pensando esta onda, a capital federal parece ser o
alvo preferencial. Além do 8 de janeiro, houve dois atentados, um no aeroporto
e o outro do Tiu França, além das invasões anteriores, como as jornadas de
Junho de 2013 e a invasão das Diretas Já, em 1983, como Oliveira (2024)
enumerou. Os ataques direcionados às instituições democráticas
por parte desse movimento não se restringem a ações isoladas de indivíduos,
mas, antes, refletem uma lógica articulada e intencional, cujo objetivo
principal é fragilizar as bases do sistema democrático brasileiro. Pretende-se desmistificar
a ideia de “lobo solitário”. Quando a ação é movida ou alimentada por discursos
de ódio e de ideologias extremistas, não há ação solitária, é partilhada por uma
certa comunidade. Atualmente, as investigações se preocupam os terroristas de plantão,
mas há uma equipe de financiamento, seja financeiro, seja da ordem ideológica. As raízes do terrorismo se encontram profundamente alicerçadas
em concepções ideológicas que operam por meio de uma divisão binária da
sociedade (cf.
Chaui, 1980). Essa divisão estabelece uma dicotomia rígida entre “nós” e
“eles”, entre “puros” e “impuros”, criando uma alteridade que, desumanizada, se
torna alvo legítimo de violência. Os discursos da ordem bolsonaristas criam o
monstro, para na sequência apresentar a lógica do salvador, propondo uma
teologia da dominação (cf. Lemos, 2024). A ideia de domínio cria um universo de angústia
propondo um mito (agora com uso adequado do termo) como agente de libertação. No contexto brasileiro, o bolsonarismo apropria-se
dessa lógica ao mobilizar uma retórica de ódio que constrói um inimigo interno,
destinado a ser combatido como ameaça ao projeto político e moral defendido por
seus seguidores. Tal estratégia discursiva desempenha um papel central na
consolidação do movimento enquanto força política que opera sob uma perspectiva
excludente e polarizadora. Nesse sentido, estabelece-se um paralelo relevante
com outras manifestações extremistas, como o terrorismo de matriz religiosa,
especialmente o islâmico radical. Em ambos os casos, observa-se a presença de
uma visão maniqueísta do mundo, que justifica a violência como um meio
necessário para a realização de um fim considerado legítimo e sagrado. “Vamos fuzilar
a petralhada aqui do Acre” (https://youtu.be/TAtz7E-XuCw?si=Zuoh1nMFmfYimW3G). Assim como os discursos do islamismo extremista
constroem a figura do inimigo a ser eliminado em nome da fé, o bolsonarismo
mobiliza uma narrativa “de guerra santa”. Uma ação que conclama seus adeptos a
combaterem opositores políticos em nome de Deus e da pátria, legitimando a
violência em nome de uma suposta defesa da ordem moral. Num mundo multifacetado
pode haver uma lógica arbórea tão enrijecida do “nós” contra “eles”? Uma forma
limitada de ler o mundo a partir de uma noção que prevê o domínio. E quando se
adota este discurso esquece-se dos interesses do capital e dos personagens que
ele mesmo cria (cf. Harvey, 2013). A ascensão do bolsonarismo, portanto, não apenas
possibilitou a difusão de discursos extremistas, como também desempenhou um
papel significativo na normalização da retórica de ódio e da incitação à
violência, como se evidenciou nos Estados Unidos com a ascensão de Trump. O
ambiente político polarizado favorece a proliferação de atos de natureza
terrorista, especialmente em contextos em que a retórica extremista circula
livremente, envenenando o espaço público e impossibilitando o diálogo
democrático. Nesse sentido, conforme Elorza (cf. Sophie Baby, 2009) a
difusão de discursos extremistas configura-se como um elemento catalisador de
ações violentas, ao passo que fomenta o ódio e reforça a polarização social. O
ódio alimenta o terrorismo. O combate ao terrorismo exige, portanto, uma
abordagem multidimensional que se volte à desconstrução das ideologias que o
sustentam. Não é uma questão de vigilância, como o governo estadunidense propôs
após WTC-2001. Esse esforço demanda a atuação integrada de diversos setores da
sociedade, bem como o comprometimento do poder público e das instituições no
sentido de promover uma cultura de diálogo, tolerância e respeito à
diversidade. E aqui se aponta para a escola como lugar da ciência e da
diversidade. Além disso, torna-se imprescindível reafirmar o
compromisso com os valores democráticos, assegurando a responsabilização
daqueles que incitam e praticam a violência, independentemente de suas
motivações políticas ou ideológicas. Somente a partir de uma estratégia
articulada, que combine medidas repressivas sobre os discursos de ódio e ações
preventivas, será possível enfrentar eficazmente o fenômeno do terrorismo e
preservar a integridade da democracia. Nunca é um ato solitário, é sempre o
produto de uma forma discursiva. Assim, torna-se evidente que a superação da ameaça
terrorista requer não apenas ações pontuais, mas um compromisso estrutural com
a promoção de uma cultura política orientada pelo respeito mútuo e pela
pluralidade, elementos imprescindíveis à manutenção de uma sociedade
democrática e inclusiva. ReferênciasCHAUI, Marilena. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1980.
(Coleção Primeiros Passos). HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São
Paulo: Edições Loyola, 2013. LEMOS, Carolyne Santos. Bolsonarismo e teologia da prosperidade:
confluências ideológicas e impactos nas políticas sociais no Brasil. Revista
Eletrônica Espaço Teológico, São Paulo, v. 18, n. 34, p. 51–74, 2024. MOORE, Allan. V de Vingança (HQ). São Paulo: Panini Books, 2002. OLIVEIRA, Maira. Ataques domésticos no Brasil: Um olhar sobre a Capital
Federal. In: LE MONDE DIPLOMATIQUE. 18 nov. 2024. Disponível em:
https://diplomatique.org.br/ataques-domesticos-no-brasil-um-olhar-sobre-a-capital-federal/.
Acesso em: 6 jan. 2025. RUFFATO, Luiz. O golpe contra Dilma Rousseff. El País em português,
São Paulo, 2016. Jornal. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/31/opinion/1472650538_750062.html.
Acesso em: 6 jan. 2025. SOPHIE BABY, Olivier
Compagnon. Violencia y transiciones políticas a finales del siglo XX: Europa
del Sur - América Latina. Erscheinungsort nicht ermittelbar: Casa de
Velázquez, 2009. |
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