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ZUCKERBERG INAUGURA NOVA FASE DA PÓS-VERDADE?

 

Imagem gerada por Artificial Intelligence.

Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto
https://orcid.org/0000-0001-8631-5270
Massaranduba, 15 de janeiro de 2025


Você já ouviu falar, ou, já leu algo sobre o conceito de pós-verdade? Para D’Ancona (2018) a ideia de pós-verdade sugere uma crise na comunicação e no debate político. Um tempo em que a “verdade” é moldada por interesses de grupos políticos, econômicos ou sociais que constroem narrativas próprias.  Grupos que em vez de fundamentar-se em fatos verificáveis pautam-se em discursos de interesses. Essa dinâmica tem implicações significativas para a democracia, enfraquecer a confiança nas instituições e o entendimento público em questões complexas. A desinformação na pandemia, por exemplo, causa problemas até hoje!

Há de se considerar que a construção histórica de narrativas atendeu a interesses conforma objetivos de controle sobre uma determinada população (Foucault, 2009). Esse processo de construção de narrativas é observado em vários contextos, como na educação, na mídia e na própria historiografia. Por exemplo, há momentos que contamos a história a fim de glorificar certos eventos ou figuras, enquanto se minimiza ou omite-se outros, moldando a percepção coletiva e a identidade nacional sobre o fato. Veja como se conta a história da guerra e destruição do Paraguai (1864-1870) e como os paraguaios o fazem (Botelho; Lima, 2021). Nada de novo debaixo do céu. O interesse em narrativos é algo antigo, tanto quanto a historiografia.

Agora um salto, da história do tempo passado para a do tempo presente. Nos últimos dias, Mark Zuckerberg promoveu uma série de mudanças na Meta Plataforms, entre elas, o que nos interessa para este texto, o fim da checagem da veracidade de notícias e fatos (Jornal Nacional, 2025). Há uma substituição, em vez de um mecanismo profissional, a responsabilidade de verificação caberia a própria comunidade de usuários dos serviços da Meta. Aqui está a questão que motiva o texto: Zuckerberg inaugura uma nova fase da pós-verdade?

Para respondê-la, abordar-se dois pontos, o senso-comum e a banalização de conceitos.

(a) O senso-comum como fiel da balança. Houve um dado momento da minha trajetória acadêmica que acreditei que as ferramentas de promoção de redes sociais virtuais poderiam tornar-se uma ágora virtual, uma espécie de praça pública para o debate de ideias e construção inventiva de conhecimento (Raasch; Melchioretto, 2014). Embora exista espaços para a qualificação e construção de saberes, as mídias sociais tornam-se, por primeiro, um grande campo de entretenimento (Melchioretto, 2016) para, na sequência, um espaço semelhante a um campo de tiros, como aqueles promovidos nos filmes de Western. As mídias sociais tornaram-se espaços sem grandes compromissos éticos (D’Ancona, 2018). Na medida que os militantes avançam, o conhecimento sistematizado recua, dando espaço a saberes rasos e inverdades. Veja a militância da cloroquina, por exemplo (Chade, 2024).

(b) A banalização de conceitos. Quando Zuckerberg anunciou as mudanças de postura da Meta Plataforms (Jornal Nacional, 2025), houve uma grande confusão conceitual. Mesma confusão que políticos da ala bolsonaristas fazem. Em primeiro, considera-se que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Há uma liberdade de expressar-se, considerando os mecanismos éticos e a constituição histórica de saberes a fim de garantir a tolerância. Para Karl Popper (1974) a manutenção da liberdade de expressão depende da tolerância, e esta, por sua vez, sobrevive com a limitação do intolerante.  "A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles” (Pooper, 1974, p. 289). Então, a liberdade de expressão considera limites éticos e históricos. Não há liberdade de expressão na defesa do nazismo, na eugenia, no combate a minorias, na negação da ciência e na construção de falsas narrativas. Ela está no campo da tolerância. Limitar os discursos ao campo da ética, não significa censura, mas significa, sim, educação – algo que nem sempre os intolerantes entendem.

Sim, Zuckerberg inaugurou uma fase da pós-verdade. Quando ele fez um anúncio acenando uma postura de aproximação com o governo de Donald Trump, presidente estadunidense, torna-se claro a adoção de uma política empresarial a favor de uma leitura de mundo despreocupa-se com fatos e com a construção de saberes consolidados pela ciência, como D’Ancona (2018) já considerou. A promoção de inverdades nas mídias sociais controladas pela Meta, aproxima-se da toxidade do ambiente controlado por Elon Musk. Promove-se uma Torre de Babel virtual através da intencionalidade clara de defender um tipo de discurso político e não a liberdade de expressão. Ela e mote para engajar trouxas e formar intolerantes.

Vejo dois encaminhamentos possíveis. O primeiro deles é a criação de uma forma de resistência e de denúncia frente as formas de fascismo que brotam nesses espaços. Denunciar como Guattari (2013) sugere. Outra forma, é aquela que tenho adotado, distanciando-me das redes sociais virtuais. Afinal, “a visibilidade [nesses espaços] é uma armadilha” (Foucault, 2011, p. 166).

Obras citadas

BOTELHO, José Francisco; LIMA. Guerra do Paraguai: vidas, personagens e destinos no maior conflito na América do Sul. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2021. (Guerras do Brasil.doc).

CHADE, Jamil. Cloroquina matou 17 mil pessoas na 1a onda da covid, diz estudo. Portal UOL, 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/01/05/cloroquina-pode-ter-matado-17-mil-pessoas-na-1a-onda-da-covid-diz-estudo.htm. Acesso em: 15 jan. 2025.

D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake-news. Barueri: Faro Editorial, 2018.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. 4. Ed. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2009.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 39. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

GUATTARI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 12. Ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

JORNAL NACIONAL. Meta encerra checagem de fatos: desinformação vai aumentar e deixar usuários ainda mais vulneráveis, dizem especialistas. Portal G1, 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/01/07/meta-encerra-checagem-de-fatos-desinformacao-vai-aumentar-e-deixar-usuarios-ainda-mais-vulneraveis-dizem-especialistas.ghtml.  Acesso em: 15 jan. 2025.

MELCHIORETTO, Albio Fabian. Uma-aula-que-quer-ser-rizoma: filosofia e redes sociais na escola. 2016. 135 f. Dissertação - Universidade Regional de Blumenau, FURB, Blumenau, 2016. Disponível em: http://bu.furb.br/docs/DS/2016/361518_1_1.pdf.  Acesso em: 16 ago. 2016.

POOPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. (Espírito do nosso tempo, v. 1-1A). v. 2

RAASCH, Miriam Carla; MELCHIORETTO, Albio Fabian. Contribuições do uso das redes sociais virtuais no ensino. Revista E-Tech: Tecnologias para Competitividade Industrial, Florianópolis, p. 123–134, 2014.

 


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