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A INVASÃO DA UCRÂNIA PELA RÚSSIA: NO CAPITALISMO NÃO HÁ DICOTOMIAS IDEOLÓGICAS

 

Imagem gerada por A.I. Utilizou o título como prompt


Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto

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Este ensaio propõe uma reflexão sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, desde 2022 e suas implicações para a ordem global, evitando as habituais polarizações entre esquerda e direita. O argumento central é que, no capitalismo contemporâneo, a lógica da competitividade subordina até mesmo os discursos políticos, transformando-os em instrumentos de obediência à racionalidade do lucro (cf. Berardi, 2025). Logo não há direito e nem esquerda, apenas forças neoliberais e forças de resistência. Essa dinâmica aproxima-se do conceito de Império, desenvolvido pelo filósofo italiano Antonio Negri (2003), que descreve uma forma de poder descentralizado, mas totalizante, capaz de cooptar até mesmo as resistências.

A política para Negri (2003) é um embate de forças. No tempo presente a força motriz é o capitalismo. Ele que rege os ideais econômicos, os valores da educação e como as religiões se estruturam. Vide por exemplo, a expansão de discursos como a teologia da prosperidade. Então, em vez de lados antagônicos, encontramos forças que conduzem um modo de vida.

A guerra russo-ucraniana não se reduz a um conflito histórico entre nações. Ela é fruto de condições de exploração de capital, próprio do tempo presente. Ela transcende fronteiras geopolíticas tradicionais e revela uma lógica imperialista orientada para a dominação econômica de territórios estratégicos. Como observa o também filósofo italiano Franco "Bifo" Berardi (2025), a invasão russa gerou três consequências profundas:

  1. O retorno de formas modernas de escravidão (como o trabalho forçado de populações ocupadas);
  2. A escalada do terrorismo social (medo generalizado e desestabilização de direitos);
  3. A militarização acelerada da Europa, que responde ao conflito com aumento de gastos bélicos, não com diplomacia.

Esses fatores alimentam um ciclo de pânico coletivo, no qual o armamentismo surge como única "solução" visível. Atualmente, 25% da população ucraniana encontra-se em diáspora (ACNUR, 2025), um êxodo que reforça narrativas nacionalistas e anti-imigração na Europa — ecoando, em parte, os discursos inflamados do período entreguerras.

A ordem internacional construída após a Segunda Guerra Mundial, baseada em instituições como a ONU e na hegemonia dos EUA, entra em colapso. Se outrora os Estados Unidos emergiram como fiadores de uma paz sustentada por acordos econômicos (como o Plano Marshall), hoje sua economia decadente recorre a medidas fascizantes — enquanto a China, em ascensão, abandona a neutralidade para assumir um papel ativo no tabuleiro bélico, e por consequência, gera uma ideia de trauma.

Neste contexto, o trauma dessa reconfiguração é duplo. Para os ucranianos, representa a destruição de sua cultura e território. Enquanto para os europeus, significa a fragmentação entre as exigências econômicas imediatas e a justificação ética do rearmamento.

Questiona-se se a globalização terminou (cf. D’Ancona, 2018). Mais do que isso, o que vemos é sua reconfiguração sob um nacionalismo agressivo, que repete os erros do século XX. Se a configura direita esquerda é questionada, surge uma ideia de radical nacionalismo e este, por sua vez, veste um camisa que outrora foi da direita. A lição da Segunda Guerra Mundial foi que o nacionalismo não é solução, mas combustível para crises. E esta lição foi esquecida. A Europa, em vez de buscar mecanismos de cooperação, aprofunda-se em políticas securitárias. E o mundo trumpista recebe diariamente combustível para reforçar esta tese (cf. Stuenkel, 2025)

Nesse cenário, desaparecem os pontos de equilíbrio que outrora permitiram mediações. O capitalismo, em sua busca desenfreada por lucro, converte a guerra em mecanismo de acumulação — um complexo industrial-militar que prospera na destruição. Diante disso, urge perguntar: quem se beneficia com essa guerra? E como construir agency (ação política autônoma) em espaços tão traumatizados? A resposta exige romper com a lógica do Império, que reduz todas as alternativas à obediência econômica ou à violência proposta como coluna estrutural do capitalismo de ordem neoliberal. Se a paz do pós-guerra foi uma ficção sustentada por hegemonias, sua ruína revela a necessidade de novos projetos de solidariedade internacional — antes que o nacionalismo e o fascismo preencham este vazio.

Referências

ACNUR, Agência da ONU para refugiads. Refugees from Ukraine recorded in Europe. [S. l.], 2025. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMTk3ZGYyYjUtNzQwYi00OWY2LWFlMzktNGFlZjNmMTNlOWY2IiwidCI6ImU1YzM3OTgxLTY2NjQtNDEzNC04YTBjLTY1NDNkMmFmODBiZSIsImMiOjh9. Acesso em: 13 abr. 2025.

BERARDI, Franco Bifo. Existirá esquerda no século XXI?. IHU, 2025. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/650251-a-pergunta-artigo-de-franco-berardi. Acesso em: 12 abr. 2025.

D’ANCONA, Matthew. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake-news. Barueri: Faro Editorial, 2018.

NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

STUENKEL, Oliver. Os primeiros sinais de desgaste do trumpismo. Estadão, 2025. Disponível em: https://www.estadao.com.br/internacional/oliver-stuenkel/os-primeiros-sinais-de-desgaste-do-trumpismo/. Acesso em: 12 abr. 2025. 

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