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NÃO HÁ COMUNIDADE NAS MÍDIAS SOCIAIS

 Neste breve texto pretendo discutir o emburrecimento do discurso em microblogs para pensar a existência de discursos de ódio em mídias sociais, ou na pior das hipóteses, negá-los. Em primeiro, quero apresentar o contexto desta postagem. O que chamo aqui de emburrecimento é a ausência de uma reflexão crítica e sistêmica. Há um uso comum, como insultos, mas aqui, como condição da ausência. Já, microblogs são ferramentas de mídias sociais que permitem a postagem de textos curtos. O mais conhecido é o antigo Twitter – me nego a usar o novo nome daquela mídia.

Por ora, centro minhas reflexões no Threads, microblog do grupo Meta, onde mantenho um perfil ativo e cítrico. No último domingo escrevi um texto que ultrapassou 5 mil visualizações e muitos comentários críticos, e dezenas deles ofensivos. Postei, “eu entendo um super rico questionar tributação e defender o livre mercado, mas um pobre? E claro, vale lembrar, classe média é pobre, repita comigo: po-bre! ” [1]

A postagem partia de uma crítica clara ao livre mercado e a falsa noção de classe que a classe média possui. O livro mercado é o pressuposto da lógica liberalista ou, neoliberal, como alguns insistem. Margareth Tatcher e Ronald Reagan, nos anos de 1980, levantaram a bandeira neoliberal em políticas agressivas. A crise do capital, da década seguinte, mostrou que o mercado não teve capacidade autorregulatória e que a presença do Estado foi fundamental para garantir, primeiro, a saúde do próprio mercado, e segundo, dar certas garantias sociais às populações mais pobres. Daí, no Brasil, o governo Fernando Henrique Cardoso, governo defensor do liberalismo, estabeleceu diversos programas sociais. A lógica do menos estado e mais mercado não sobreviveu, sequer, vinte anos. 

Outro ponto, da postagem, foi a defesa da taxação dos super-ricos. Apesar do atual governo Lula defender esta tese, ela é anterior. Durante a pandemia da Covid-19, super-ricos desejaram pagar mais impostos como saída social e econômica (Veja, 2020). Imposto é o tributo pago pelo cidadão para o estado poder tutelar serviços básicos. Pode-se afirmar, com certa segurança, que o pagamento de tributos é uma questão de justiça social. Negar ou sonegar, é o seu contrário, uma prática de injustiça. Além de constituir um crime, a sonegação é uma marca de caráter diante do contrato social que o cidadão assume.

Estas ideias não são uníssonas, elas comportam questionamentos. O contraditório é importante num espaço de debate. A dialética, entendem a antítese como um movimento oportuno para a construção de uma nova tese. O contraditório é casa de nova construção. O problema que denuncio neste texto, não é o contraditório, sequer a antítese dialética. A questão vai além do contraditório. O que se vê, muitas vezes, nas mídias sociais é a imposição de uma postura fascista, em seu sentido mais amplo, diante da possibilidade do debate que não existe. Se não há um espaço seguro para o diálogo, sequer haverá um espaço para formação de comunidade. Então, como romper este tipo de bolha?

O rompimento se faz necessário porque a acusação daquele que se opõe não é um simples contraditório, mas um ato de violência demonstrado por um comportamento agressivo nas mídias digitais. Alguns chamariam isso de polarização. A questão é ampla, vive-se, como apontou Guattari (2007), campos hegemônicos bipolarizados de subjetividade há tempos. Os lados assumem valores unidimensionais. Então, não há espectro suficiente para o diálogo, ou para coisas simples, como entender a necessidade de taxação de super-ricos ou viver a favor da justiça social.  Valores unidimensionais impedem a multiplicidade. 

Para pensar a amplitude do mundo que se reproduz diante de nós, segundo Guattari (2007), e saindo da situação caótica que a unidimensionalidade apresenta, pensa-se a Ecosofia. O conceito desenha uma revolução política, social e cultural considerando três grandes dimensões, a social, a mental e a ambiental. Reinventar as relações para sair do estado de polarização. 

Após a queda do “dito” socialismo soviético, acreditou-se numa mudança paradigmática profunda. Entra as grandes transformações, foi a crença da superação do conceito de ideologia. “Explicar esse perecimento das práxis sociais pela morte das ideologias e pelo retorno aos valores universais me parece pouco satisfatório” (Guattari, 2007, p. 24). E aqui há um grande problema, como determinar valores universais?

O discurso da direita, unidimensional, que persegue mediante comportamentos violentos, destroem o diálogo e a possibilidade do contraditório quando impõem uma ideia de valor universal. Então, há um perigo, uma classe imposta pelo ódio e pela insensatez de se autorreconhecer. “Esse é, precisamente, o público cativo de Bolsonaro. Essa faixa social intermediária, entre a classe média real e os marginalizados [...] não consegue compreender sua situação de exploração e humilhação objetiva, é facilmente manipulada por um discurso conservador de costumes e pura e simples criminalização do negro e do pobre” (Souza, 2022, p. 41).

Não há reconhecimento sobre si, e por consequência não se vê o outro. Na cegueira coletiva, impede-se também o olhar sobre a Mãe Terra.  Logo, nenhum tipo de ecologia, ou ecosofia se constrói. E há novamente a retomada de ideologias, ela não sumiu com a queda soviética, ficou em estado de repouso. Uma completa alienação da realidade e da própria afetividade, encaminhando para uma agressividade sobre aqueles que ousam questionar os ditos “saberes universais”.  Em vez de pensar o contraditório, pauta-se em falas sedativas, que servem ao ego, mas continuam a impedir o conhecimento de si, de outrem e da Mãe Terra. Sem um conhecimento ecosófico, como se formaria uma comunidade nas mídias sociais?

Como sair dessa condição? O caminho dado por Guattari (2007), sugere três reinvenções. A primeira delas é do sujeito com o corpo; a segunda, repensar as relações humanas, de maneira mais ampla, e, por último, entender o meio ambiente por meio de um equilíbrio natural. Sem estas reinvenções, o caminho será a criação de bolhas em torno de ideologias de caráter universalizados e vazias de humanidade. 

Nota


Textos citados

GUATTARI, Félix. As três ecologias. 11. ed. Campinas: Papirus, 2007. 

SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2022. 

VEJA. Super-ricos querem pagar mais impostos para combater efeitos da pandemia. São Paulo, 2020. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/super-ricos-querem-pagar-mais-impostos-para-combater-efeitos-da-pandemia/. Acesso em: 28 jul. 2025. 


 Texto escrito por Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto
Filósofo e geógrafo. Doutor em Desenvolvimento Regional.
Editor do Tecendo Ideias (Top 100 Education Podcasts)


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