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BOLSONARO E A CORROSÃO DA MORAL: UM PARALELO COM "É ISTO UM HOMEM?"

 

O relatório da Polícia Federal, divulgado dia 27 de novembro de 2024, expõe um conjunto de ações orquestradas por ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados visando subverter o regime democrático brasileiro. As evidências apontam para a disseminação de desinformação sobre a integridade do sistema eleitoral, a articulação de planos para impedir a posse do presidente legitimamente eleito e até mesmo a intenção de neutralizar figuras-chave do Judiciário, como o Ministro Alexandre de Moraes. Tal cenário encontra paralelo com a realidade brutal retratada por Primo Levi (1988) em "É Isto um Homem?", onde a aniquilação da moral se torna um instrumento de controle e perpetuação do poder.

Um golpe de estado, em qualquer situação, é o aniquilamento da moral.

Levi (1988) apresenta testemunho cru da desumanização perpetrada nos campos de concentração nazistas, serve como alerta para os perigos da corrosão moral e do fascismo, e aqui entendido como oposição à democracia. No universo totalitário do campo, conceitos como “bem” e “mal”, “certo” e "errado" perdem o significado, a tal ponto de se orquestrar mortes para justificar a manutenção do poder. A luta pela sobrevivência, sob a opressão de um regime desumanizador, reduz o indivíduo a um estado de apatia moral.

Paralelamente, o relatório da PF descreve como Bolsonaro e seu grupo manipularam informações e incitaram a violência com o intuito de minar as instituições democráticas. E não se pode entender o 8 de janeiro como um ato isolado, ou o terrorista Tiu França, como lobo solitário. A estratégia, similar à utilizada pelo regime nazista, visa deslegitimar o sistema e semear o caos para justificar medidas autoritárias. A disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, a tentativa de cooptar as Forças Armadas para um golpe e os ataques sistemáticos ao STF ilustram a intenção de instaurar um regime onde a força bruta se sobrepõe ao debate democrático. O mal se estabelece na perpetuação do pobre. Não se pode banalizá-lo acreditando que foi uma simples intenção (Cf. Arendt, 2013). Não há simplicidade na crueldade.

Em “É Isto um Homem?”, Levi descreve um prisioneiro que ascende na hierarquia do campo através da manipulação e do egocentrismo. Este prisioneiro cultiva uma aparência de disciplina e respeito enquanto, nos bastidores, age com absoluto egoísmo e desconsideração pelos demais. A conduta dele espelha a atuação de figuras proeminentes no governo Bolsonaro, que se utilizaram de seus cargos e da estrutura do Estado para benefício próprio e para a perseguição de opositores. E exemplo não nos faltaram: a crise durante a Pandemia do Covid-19; o contingenciamento de verbas na educação; a instrumentalização da ABIN para fins pessoais e a cooptação de oficiais militares para a disseminação de desinformação evidenciam a corrosão moral que se instaurou no núcleo do governo.

Assim como a experiência do campo de concentração demonstrou a fragilidade da moral humana sob condições extremas, o relatório da PF revela como um líder populista, ao minar as bases da democracia e incitar o ódio e a violência, pode levar uma nação à beira do abismo moral. A prisão de Bolsonaro, diante das evidências de crimes contra o Estado Democrático de Direito, se faz necessária não apenas para punir as ações do ex-presidente, mas também para restaurar a confiança nas instituições e reafirmar a importância da ética e da moral na condução da vida pública.


Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto 
https://orcid.org/0000-0001-8631-5270

Obras citadas

ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

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