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DEIXEM OS ESTÓICOS EM PAZ


Vejo pela rede que diversos coachs e influenciadores estão aplicando conceitos da filosofia estóica em discursos de autoajuda. Sem dúvida, a popularidade dos princípios estoicos cresceu nos últimos anos, promovendo a ideia de uma vida tranquila, focada no presente e guiada pela virtude. Contudo, essa crescente adoção de ideias estóicas nem sempre é realizada de maneira apropriada, sem o devido rigor e profundidade metodológicos. A interpretação contemporânea, muitas vezes, parece desconsiderar a rica complexidade das fontes originais, escolhendo seletivamente aspectos que se adequam mais facilmente a narrações motivacionais genéricas, o que pode resultar em uma abordagem limitada e descontextualizada.

A filosofia estóica foi um sistema filosófico desenvolvido no período helenístico e romano, composto por pensadores como Epiteto, Sêneca, Marco Aurélio e outros. Ela propõe uma abordagem holística e sistemática para a vida, sustentada por uma ética centrada na virtude, na razão e na aceitação das coisas que não dependem de nossa vontade. Os estóicos clássicos não somente ofereciam conselhos práticos, mas também sustentavam suas ideias com princípios metafísicos e epistemológicos complexos. No entanto, a popularização atual frequentemente reduz esses conceitos a regras simplistas para a felicidade e a resiliência, omitindo o contexto histórico, filosófico e intelectual que embasava sua aplicação. Essa abordagem pode ser chamada de "Estoicismo Lite," uma versão suavizada que propõe o controle emocional e a calma mental como ferramentas isoladas, descontextualizadas do diálogo contínuo com a filosofia e com os contextos sócio-culturais nos quais os estóicos originais estavam inseridos.

Ademais, a pobreza de uma abordagem que seleciona e simplifica os ensinamentos epistêmicos podem levar a mal-entendidos e aplicações equivocadas. Por exemplo, a noção de "estar no controle" ou "cuidar do que é possível controlar" (conforme a famosa ideia de Epicteto), quando isolada de sua colocação interna no sistema estóico, pode ser levada a extremos perigosos, como a supressão de emoções ou a justificativa para falta de ações em relação a causas sociais ou políticas. Um compromisso estóico genuíno envolve entender que o controle, para os estóicos, era essencialmente o domínio da própria vontade, condicionado por uma compreensão de virtude e do cosmos, e não um simples conselho de externalidade emotiva ou mental. Sem essa compreensão da teoria da benevolência, da cosmologia e da responsabilidade cívica estóica, a aplicação simplista pode resultar em uma alienação social ou na negação de problemas coletivos, desvirtuando as próprias intenções iniciais de uma vida virtuosa e em harmonia com a comunidade e com o universo.

A popularização contemporânea dos conceitos estóicos em contextos de autoajuda negligencia frequentemente a riqueza e a profundidade do pensamento estóico. 

O que se propõe não é a rejeição das contribuições assertivas do estoicismo na vida moderna; antes, sugere que uma relação mais complexa e informada com seus ensinamentos pode ser mais valiosa – tanto para a própria autotransformação como para a valorização da rica tradição filosófica em que estamos tomando emprestado. A filosofia estóica é um rico patrimônio intelectual que merece ser estudado e compreendido em sua totalidade, não somente por sua aplicabilidade imediata à vida cotidiana, mas pela compreensão do projeto filosófico mais amplo que é. O que se critica é o discurso vazio da autoajuda.

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Texto escrito por Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto
(0000-0001-8631-5270)
Filósofo e geógrafo. Doutor em Desenvolvimento Regional.
Editor do Tecendo Ideias (Top 100 Education Podcasts)
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