| Rua XV de Novembro, por volta de 1900. Colorida por I.A. Fonte @blumenauantiga |
Nesta breve reflexão o olhar central está sobre o Frühstück, o tradicional “segundo café da manhã”, que, ao longo do tempo, se adaptou ao contexto sociocultural do Vale do Itajaí. Essa prática, vivenciada pelos colonos, configura-se não somente como um hábito de se alimentar, mas como uma manifestação coletiva. No tempo presente, ela é olhada pela memória afetiva. Assim, o alimento torna-se elo entre passado e presente, revelando a permanência e a transformação das tradições locais.
Os colonos despertavam antes do nascer do sol e se dirigiam ao trabalho nas lavouras. Retornavam as casas para o almoço e a tarde repetiam o expediente. O tempo da manhã era cortado pelo Frühstück. Uma refeição que vai além da ideia rápida de lanche que adotamos nas pausas de hoje. Um café reforçado com ideia de sustância para ter energia diante da labuta. A medida que o relógio avançava, a fadiga misturava-se com a força do sol. A parada estratégia para se alimentar era uma reunião dos trabalhadores para discutir o dia, partilhar as dificuldades e somar as esperanças.
| Rua das Palmeiras, 1910. Fonte: @blumenauantiga |
Nesse contexto, o Frühstück assumiu características próprias, mesclando elementos da cultura germânica com produtos e hábitos regionais. Tal processo de aculturação evidencia a capacidade de adaptação das comunidades imigrantes às condições de uma “nova terra”. A refeição, portanto, adquire uma dimensão simbólica que ultrapassa a materialidade dos alimentos. Era o encontro da saudade da terra natal com a esperança da construção de um novo lar que dependia, em muito, dos esforços coletivos de construir tudo que necessitavam.
No tempo presente, compreendido como um patrimônio imaterial, o Frühstück representa uma tradição transmitida entre gerações. Essa transmissão, no entanto, não ocorre de forma estática, mas em constante diálogo com as transformações sociais e econômicas. As práticas alimentares são, assim, ressignificadas diante das novas dinâmicas do trabalho, do tempo e da vida urbana. A refeição matinal, antes realizada em família ou no ambiente rural, perde parte de seu espaço cotidiano, mas permanece na memória afetiva como símbolo de pertencimento. O Frühstück torna-se, nesse sentido, um marcador identitário das comunidades descendentes de imigrantes.
Relatos gerados pelos pesquisadores indicam a riqueza e a diversidade dos elementos que compõem o Frühstück. Pães caseiros, queijos, nata, linguiças e cucas convivem com produtos adaptados às condições locais, como banana, melado e patês de torresmo, e tudo sempre acompanhado de café com leite. Essa variedade traduz a criatividade e a capacidade de reinvenção das famílias, que transformam a mesa em espaço de comunhão e resistência cultural. Mesmo diante das mudanças impostas pela modernidade, a refeição continua evocando sentimentos de partilha, cuidado e continuidade. O alimento, assim, atua como um mediador de vínculos comunitários e afetivos.
O Frühstück permanece atual por sua função simbólica e social. Mais do que um simples costume alimentar, ele expressa a formação de uma ideia de comunidade e o desejo de preservar laços identitários. O ritmo acelerado da vida contemporânea impõe novos desafios à manutenção dessas práticas, mas também convida à reflexão sobre o valor do tempo e da convivência. Ao reconhecer o Frühstück como patrimônio imaterial, afirma-se a importância de proteger não somente receitas e sabores, mas também as memórias e modos de ser que dão sentido à vida coletiva.
Blumenau, 28 de outubro de 2025.
Prof. Dr. Albio Fabian Melchioretto (0000-0001-8631-5270)
Prof.ª Juliana Sá HolzLeia mais:
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Holz, Juliana Sá, Melchioretto, Albio Fabian (2024). Früstück: Herança cultural no Médio Vale do Itajaí. Em Anais do Fórum científico de gastronomia, turismo e hotelaria (12) (p. 34 p.). Editora da UNIVALI. https://www.researchgate.net/publication/395205747_FRUSTUCK_HERANCA_CULTURAL_NO_MEDIO_VALE_DO_ITAJAIMelchioretto, Albio Fabian; Sá Holz, Juliana (2024). Sabores que contam histórias: o frühstück como patrimônio imaterial no Médio Vale do Itajaí. figshare. Presentation. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.27696879.v1
Melchioretto, Albio Fabian; Sá Holz, Juliana (2025). A memória afetiva do Früstück. figshare. Poster. https://doi.org/10.6084/m9.figshare.30119797.v1
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