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O DOMINGO DE RAMOS FOI UM PROTESTO, NÃO UMA PROCISSÃO

 Andrew Thayer[1]

 


Os cristãos abrem a Semana Santa celebrando o Domingo de Ramos, quando Jesus entrou em Jerusalém pela última vez antes da Paixão, Morte e Ressurreição. Para marcar o dia, recriam a cena da entrada de Jesus em Jerusalém (Marcos 11,1-11), que muitas vezes começa do lado de fora das igrejas e percorre as calçadas e ruas da cidade acenando com ramos de palmeira. “Hosana, bendito o que vem em nome do Senhor” (Marcos 11,9).

 Celebrações como essa muitas vezes ignoram uma condição histórica desconfortável sobre a entrada de Jesus em Jerusalém. Na época, foi um ato deliberado de confronto teológico e político, foi um protesto.

No mesmo dia da entrada de Jesus, houve uma grande procissão entrando em Jerusalém. Do oeste veio Pôncio Pilatos, o governador romano, montado em um cavalo de guerra e ladeado por soldados armados vestidos com todo o esplendor próprio da imponência de um imperador romano. Todos os anos, durante a Páscoa (Êxodo 12, 43-51), um feriado judaico que celebrava a libertação da opressão e escravidão imposta pelos faraós egípcios, Pilatos entrava em Jerusalém para suprimir qualquer agitação causada por essa memória. O desejo de Rom era sufocar a memória do povo judeu.

Sua chegada não foi cerimonial, foi tático. Uma demonstração calculada de força, provocando uma onda de "choque e pavor". A entrada de Pôncio Pilatos mostrou, não apenas, o poder de Roma, mas também sua teologia. César não era somente o imperador, mas deificado e chamado de "Filho de Deus" em moedas e inscrições. Seu governo era absoluto e a paz que ele prometeu foi alcançada por meio da coerção, dominação e práticas de violência para impor o poder de Roma.

Da direção oposta, literal e figurativamente, veio Jesus e seus seguidores. Ele entrou na cidade em um jumento, não em um cavalo de guerra, com mendigos e não com batalhões. Seus seguidores eram camponeses, pescadores, mulheres e crianças: pessoas sem posição ou condição. Eles acenaram com ramos de palmeira - um símbolo da resistência judaica à ocupação desde a revolta dos Macabeus (I Macabeus 1 e 2) e gritaram: "Hosana!" que significa "Salve-nos". Salve-nos de um sistema de opressão disfarçado de ordem. Livra-nos daqueles que tacitamente endossam a ganância com palavras piedosas e orações.

A procissão de Jesus deve ser vista como uma paródia do poder imperial. Uma zombaria deliberada do espetáculo romano e uma representação profética de um reino construído não sobre a violência, mas sobre a justiça. O desafio a César.

No dia seguinte, Jesus entrou no Templo, o coração da vida religiosa e econômica de Jerusalém, e derrubou as mesas da praça do mercado, que ele descreveu como "um covil de ladrões" (Marcos 11,15-19). O Templo não era somente uma casa de oração. O motor financeiro, operado por líderes cúmplices sob as restrições e exigências do império ocupante. Jesus o extingue e isso é o que o mata diante do poder de Roma.

Aos olhos do imperador que “lavou as mãos” Jesus não foi morto por pregar o amor, ou por curar os enfermos, ou por discutir a teologia que era rotineiramente debatida nos pátios do Templo, ou por blasfêmia (cuja punição era o apedrejamento). Roma não crucificou filósofos ou milagreiros. Roma crucificou os insurgentes. A placa pregada acima de sua cabeça - "Rei dos Judeus" - era uma acusação política e uma advertência pública (Marcos 15,26). Tal como aconteceu com o assassinato dos profetas antes dele, a mensagem enviada com a morte de Jesus foi que aqueles que exigem justiça serão inevitavelmente esmagados.

Soa familiar? Também vivemos à sombra do império. O nosso não fala latim nem usa togas, mas sua lógica nos é familiar. Na economia que gera desigualdade e coloca os lucros corporativos acima da dignidade dos trabalhadores, há marginalizados. Nossas leis reforçam a desigualdade no sistema de justiça criminal, educação e saúde. A indústria da guerra do tempo presente seria a inveja de Roma. Nós extraímos, exploramos, aprisionamos e chamamos isso de "lei e ordem" e usamos logos como “pátria acima de tudo”.

[...]

Roma não começou como um império. Iniciou como uma república, com participação “democrática”. Com o tempo, cedeu o poder a poucos, tolerando crueldade, corrupção e consolidação do controle, desde que viesse envolto na promessa de paz e prosperidade. O imperador tornou-se ao mesmo tempo, governante e redentor, reverenciado não por sua clareza moral, mas pela ilusão de grandeza nacional restaurada. Roma assistiu à morte da democracia causada por si.

A falsa promessa oferecida pelos governantes aos romanos e aos povos que eles dominaram foi que César era divino: um escolhido, um senhor. Hoje, os patriotas cristãos costumam apresentar governantes em termos assustadoramente semelhantes: não como um líder moral, mas como uma figura que trará prosperidade, proteção e domínio cultural, pelo menos para alguns poucos, como se fossem verdadeiros “mitos”. Desafiá-lo, nessa visão de mundo, não é somente rejeitar um homem, mas rejeitar um tipo de ordem sagrada. Esse impulso não é novo. É tão antiga quanto a procissão de Pilatos.

Jesus nunca procurou substituir César por um César cristão. Ele veio para desmantelar a própria lógica de César. Prática que defende a crença de que o poder dá o certo, que a paz vem da violência e que a política é mais bem administrada por meio do medo, da coerção e do controle. Em vez disso, ele inaugurou um contra reino que aspira à bondade, acolhimento radical, misericórdia e justiça. Um reino onde os vulneráveis e pobres são exaltados e os ídolos do império são expostos como fraudes.

Agitar as palmas das mãos no Domingo de Ramos nos conecta à justiça, à vida pública, ao discurso e à ação. Não podemos ficar calados diante daqueles que genuinamente gritam: "Hosana... Salve-nos." Em algum momento, temos que decidir sobre qual Jesus seguiremos. A figura vazia dos templos luxuosos com louvores individuais pautados na teologia da prosperidade ou a figura de Jesus que realizou a opção preferencial pelos pobres?

O poder da Escritura não está na magia ou nos milagres, mas em seu testemunho, de pessoas que amaram com ousadia, agiram com justiça, falaram a verdade ao poder, resistiram ao império e esperaram desafiadoramente diante do desespero. É profundamente relevante para a vida cotidiana.

A ressurreição, que os cristãos celebram uma semana depois do domingo, não é a reversão da crucificação de Cristo. É a demanda deles. Ele declara que mesmo quando o império mata a verdade, a verdade continua surgindo, “conhecereis a verdade e ela vos libertará” (João 8,32). Que mesmo que a justiça seja crucificada, ela não é enterrada. Os Césares entre nós não temos a última palavra.


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DOI: 10.6084/m9.figshare.28924652



[1] Doutor em filosofia. Padre episcopal que serviu em paróquias nos Estados Unidos e na Inglaterra por mais de 20 anos. Texto original público em https://www.nytimes.com/2025/04/13/opinion/palm-sunday-protest.html?smid=nytcore-ios-share&referringSource=articleShare. Tradução e adaptação, Dr. Albio Fabian Melchioretto, albio.melchioretto@gmail.com, Orcid, 0000-0001-8631-5270. Massaranduba, 2 de maio de 2025

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