Os cristãos abrem
a Semana Santa celebrando o Domingo de Ramos, quando Jesus entrou em Jerusalém
pela última vez antes da Paixão, Morte e Ressurreição. Para marcar o dia,
recriam a cena da entrada de Jesus em Jerusalém (Marcos 11,1-11), que muitas
vezes começa do lado de fora das igrejas e percorre as calçadas e ruas da
cidade acenando com ramos de palmeira. “Hosana, bendito o que vem em nome do
Senhor” (Marcos 11,9).
Celebrações
como essa muitas vezes ignoram uma condição histórica desconfortável sobre a entrada
de Jesus em Jerusalém. Na época, foi um ato deliberado de confronto teológico e
político, foi um protesto.
No mesmo dia da
entrada de Jesus, houve uma grande procissão entrando em Jerusalém. Do oeste
veio Pôncio Pilatos, o governador romano, montado em um cavalo de guerra e
ladeado por soldados armados vestidos com todo o esplendor próprio da imponência
de um imperador romano. Todos os anos, durante a Páscoa (Êxodo 12, 43-51), um
feriado judaico que celebrava a libertação da opressão e escravidão imposta
pelos faraós egípcios, Pilatos entrava em Jerusalém para suprimir qualquer
agitação causada por essa memória. O desejo de Rom era sufocar a memória do
povo judeu.
Sua chegada não
foi cerimonial, foi tático. Uma demonstração calculada de força, provocando uma
onda de "choque e pavor". A entrada de Pôncio Pilatos mostrou, não
apenas, o poder de Roma, mas também sua teologia. César não era somente o
imperador, mas deificado e chamado de "Filho de Deus" em moedas e
inscrições. Seu governo era absoluto e a paz que ele prometeu foi alcançada por
meio da coerção, dominação e práticas de violência para impor o poder de Roma.
Da direção
oposta, literal e figurativamente, veio Jesus e seus seguidores. Ele entrou na
cidade em um jumento, não em um cavalo de guerra, com mendigos e não com
batalhões. Seus seguidores eram camponeses, pescadores, mulheres e crianças:
pessoas sem posição ou condição. Eles acenaram com ramos de palmeira - um símbolo
da resistência judaica à ocupação desde a revolta dos Macabeus (I Macabeus 1 e
2) e gritaram: "Hosana!" que significa "Salve-nos".
Salve-nos de um sistema de opressão disfarçado de ordem. Livra-nos daqueles que
tacitamente endossam a ganância com palavras piedosas e orações.
A procissão de
Jesus deve ser vista como uma paródia do poder imperial. Uma zombaria
deliberada do espetáculo romano e uma representação profética de um reino
construído não sobre a violência, mas sobre a justiça. O desafio a César.
No dia
seguinte, Jesus entrou no Templo, o coração da vida religiosa e econômica de
Jerusalém, e derrubou as mesas da praça do mercado, que ele descreveu como
"um covil de ladrões" (Marcos 11,15-19). O Templo não era somente uma
casa de oração. O motor financeiro, operado por líderes cúmplices sob as
restrições e exigências do império ocupante. Jesus o extingue e isso é o que o
mata diante do poder de Roma.
Aos olhos do
imperador que “lavou as mãos” Jesus não foi morto por pregar o amor, ou por
curar os enfermos, ou por discutir a teologia que era rotineiramente debatida
nos pátios do Templo, ou por blasfêmia (cuja punição era o apedrejamento). Roma
não crucificou filósofos ou milagreiros. Roma crucificou os insurgentes. A
placa pregada acima de sua cabeça - "Rei dos Judeus" - era uma
acusação política e uma advertência pública (Marcos 15,26). Tal como aconteceu
com o assassinato dos profetas antes dele, a mensagem enviada com a morte de
Jesus foi que aqueles que exigem justiça serão inevitavelmente esmagados.
Soa familiar? Também
vivemos à sombra do império. O nosso não fala latim nem usa togas, mas sua
lógica nos é familiar. Na economia que gera desigualdade e coloca os lucros
corporativos acima da dignidade dos trabalhadores, há marginalizados. Nossas
leis reforçam a desigualdade no sistema de justiça criminal, educação e saúde. A
indústria da guerra do tempo presente seria a inveja de Roma. Nós extraímos,
exploramos, aprisionamos e chamamos isso de "lei e ordem" e usamos
logos como “pátria acima de tudo”.
[...]
Roma não
começou como um império. Iniciou como uma república, com participação “democrática”.
Com o tempo, cedeu o poder a poucos, tolerando crueldade, corrupção e
consolidação do controle, desde que viesse envolto na promessa de paz e
prosperidade. O imperador tornou-se ao mesmo tempo, governante e redentor,
reverenciado não por sua clareza moral, mas pela ilusão de grandeza nacional
restaurada. Roma assistiu à morte da democracia causada por si.
A falsa
promessa oferecida pelos governantes aos romanos e aos povos que eles dominaram
foi que César era divino: um escolhido, um senhor. Hoje, os patriotas cristãos
costumam apresentar governantes em termos assustadoramente semelhantes: não
como um líder moral, mas como uma figura que trará prosperidade, proteção e
domínio cultural, pelo menos para alguns poucos, como se fossem verdadeiros “mitos”.
Desafiá-lo, nessa visão de mundo, não é somente rejeitar um homem, mas rejeitar
um tipo de ordem sagrada. Esse impulso não é novo. É tão antiga quanto a
procissão de Pilatos.
Jesus nunca
procurou substituir César por um César cristão. Ele veio para desmantelar a
própria lógica de César. Prática que defende a crença de que o poder dá o
certo, que a paz vem da violência e que a política é mais bem administrada por
meio do medo, da coerção e do controle. Em vez disso, ele inaugurou um contra
reino que aspira à bondade, acolhimento radical, misericórdia e justiça. Um
reino onde os vulneráveis e pobres são exaltados e os ídolos do império são
expostos como fraudes.
Agitar as
palmas das mãos no Domingo de Ramos nos conecta à justiça, à vida pública, ao
discurso e à ação. Não podemos ficar calados diante daqueles que genuinamente
gritam: "Hosana... Salve-nos." Em algum momento, temos que decidir sobre qual Jesus seguiremos. A figura vazia dos templos luxuosos com louvores
individuais pautados na teologia da prosperidade ou a figura de Jesus que
realizou a opção preferencial pelos pobres?
O poder da
Escritura não está na magia ou nos milagres, mas em seu testemunho, de pessoas
que amaram com ousadia, agiram com justiça, falaram a verdade ao poder,
resistiram ao império e esperaram desafiadoramente diante do desespero. É
profundamente relevante para a vida cotidiana.
A ressurreição,
que os cristãos celebram uma semana depois do domingo, não é a reversão da
crucificação de Cristo. É a demanda deles. Ele declara que mesmo quando o
império mata a verdade, a verdade continua surgindo, “conhecereis a verdade e ela
vos libertará” (João 8,32). Que mesmo que a justiça seja crucificada, ela não é
enterrada. Os Césares entre nós não temos a última palavra.
[1]
Doutor em filosofia. Padre episcopal que serviu em paróquias nos Estados Unidos
e na Inglaterra por mais de 20 anos. Texto original público em https://www.nytimes.com/2025/04/13/opinion/palm-sunday-protest.html?smid=nytcore-ios-share&referringSource=articleShare.
Tradução e adaptação, Dr. Albio Fabian Melchioretto, albio.melchioretto@gmail.com, Orcid,
0000-0001-8631-5270.
Massaranduba, 2 de maio de 2025
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